UNIVERSIDADE, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E IDENTIDADE LOCAL
(Discurso
proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau dos formandos do Curso de Formação
de Professores para o Ensino Fundamental da UECE, em Itarema, em 19 de novembro
de 2004).
Formação de professores:
uma reivindicação histórica
Há
setenta e dois anos [em 1932], vinte
e seis intelectuais, por intermédio do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
revelaram uma profunda preocupação com a formação dos profissionais do
magistério, imputando-lhes a exigência de escolaridade em nível superior(1).
Entretanto, somente em fins de 1996 é que essa exigência foi expressa em termos
legais, ou seja, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em
seu artigo 62(2).
A LDB,
ao estabelecer a “década da educação”, fixou o ano de 2007 como prazo limite
para que todos os professores, a partir das séries finais do ensino
fundamental, qualifiquem-se em nível
superior. Paralelamente a essa determinação legal, foi aprovada a Lei do FUNDEF(3),
que proporcionou considerável “injeção” financeira aos municípios, com fins de
investir no desenvolvimento do ensino fundamental e na valorização do
magistério – aqui, incluindo o pagamento de cursos superiores aos seus
profissionais.
O compromisso da UECE e o caso de Itarema
Cabe
destacar que logo após a promulgação da LDB e do FUNDEF, a UECE, através do Núcleo
de Educação Continuada e a Distância (NECAD) e da Coordenadoria
Técnico-Pedagógica da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), implantou o programa
de Licenciaturas Breves(4). Dessa forma, foram celebrados convênios
com inúmeras prefeituras do Estado cearense, visando a oferta de cursos de
formação de professores para o ensino fundamental. No âmbito das parcerias
estabelecidas, o município de Itarema destacou-se por três aspectos: primeiro,
por ter optado pela UECE, com base em sua credibilidade; segundo, pelo aspecto
quantitativo do investimento, haja vista que foram constituídas cinco turmas,
totalizando, aproximadamente, 200 professores, que obtiveram o grau de
licenciatura; terceiro, pela pontualidade no cumprimento de suas obrigações
perante à Universidade.
Por seu
turno, a Universidade Estadual do Ceará ficou atenta a respeito da dimensão
ética que envolve esse empreendimento de tão grande significado social. Essa
dimensão, dentre outros aspectos, requer que seja assegurada a qualidade das
“licenciaturas breves”, para, assim, poder-se vislumbrar uma educação básica
mais competente e mais cidadã. Em poucas palavras, “aligeiramento” dos cursos
não pode significar formação incompleta, bem como “educação a distância” não
pode resultar em carga horária sem efeitos práticos.
Caros
concludentes de Itarema: Tenho convicção de que vocês receberam uma boa
formação superior, haja vista a estrutura curricular do curso, o acompanhamento
pedagógico da UECE e o compromisso de vocês com a educação. Creio, portanto,
que esse investimento já está dando retorno a este Município.
A singularidade da história
local
Mas,
como educadores de crianças, jovens e adultos, é preciso que incorporemos um
sentimento de identidade local e que estimulemos o exercício da cidadania, a
partir do conhecimento de nossa história mais próxima. “O rio de minha aldeia”,
retratado por Fernando Pessoa, precisa se tornar uma referência teórica e
prática. Fernando Pessoa, em seu célebre poema, destaca: “Ninguém nunca pensou
no que há para além do rio de minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz
pensar em nada. Quem está ao pé dele só está ao pé dele”(5).
É essa
singularidade de nossa história local, em meio a uma multiplicidade de fatores,
que precisa ser olhada e pesquisada por nós. Assim, por exemplo, os índios
tremembés, as acirradas disputas familiares, a sabedoria popular do senhor José
“Doce”, a colônia de pescadores, o movimento dos trabalhadores rurais, o método
educacional retratado pela professora Geralda Braga Monteiro, as igrejas de
Almofala e de Patos e as ruínas de engenhos e senzalas(6) compuseram
e compõem a identidade de Itarema. Corroborando Octávio Paz (prêmio Nobel de Literatura,
em 1990), a preservação da memória é algo imprescindível, pois sua destruição
“não afeta apenas o passado, como também o futuro. Para mim, a memória é a
forma mais alta da imaginação humana. Se a memória se dissolve, o homem de
dissolve também”(7).
Nesse
sentido, abro um parêntese para ressaltar que Itarema tem o privilégio de
contar com o trabalho abnegado de um pesquisador do povo e colaborador
incansável na preservação do patrimônio cultural. Refiro-me ao senhor José de
Fátima(8), que com sensibilidade histórica e persistência, fundou um
museu nesta Cidade, que há pouco tempo passou para o domínio público municipal.
A liderança universitária
Senhoras
e senhores, a preservação do patrimônio cultural e a valorização da identidade
local estão em plena sintonia com a missão da instituição universitária e, de
modo especial, com o princípio da liderança, presente desde sua gênese, no
século XII(9). Por meio deste, torna-se imprescindível que a universidade
interaja, sem o carimbo da subordinação, com o poder público e com os múltiplos
agentes sociais.
Temos,
assim, a universidade como instituição necessária para o desenvolvimento de
projetos nacionais, estaduais e municipais e para o progresso do saber, como
valor universal. Entretanto, segundo Clarice Kawasaki: “Não é papel da
universidade dar retornos imediatos ou resolver problemas sociais, mas cabe a
ela formar quadros críticos, ou seja, profissionais com competência técnica,
científica e social, para o enfrentamento de desafios e impasses postos pela
sociedade”(10).
Espera-se
que as ações, na área do ensino, desenvolvidas pela UECE neste Município,
tenham disseminado, a partir de sua liderança, uma perspectiva mais sólida de
regionalismo, integrada aos princípios da democracia e da universalização do saber.
Considerações finais
Caros concludentes,
fiquei muito honrado em ter sido escolhido como orador docente de suas turmas.
Tenho dito que os cursos de formação de professores, aliados à missão de
educar, levam-nos a criar intimidades com os diferentes municípios.
Particularmente falando, em Itarema esta ligação professor/historiador e
professores/alunos e, por conseguinte, professor/historiador e município,
deram-se de formar muito especial.
Por fim,
envio meus parabéns ao prefeito Stênio Rios [prefeito
de Itarema, de 1986 a 88, de 1997 a 2000 e de 2001 a 2004], pelo
investimento realizado: à UECE, por ter aliado expansão à competência; ao
município de Itarema, por contar com um número significativo de professores com
formação em nível superior; e aos concludentes, por essa indelével conquista,
mas, também, pela determinação e compromisso com Itarema.
Muito
obrigado!
NOTAS
E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) AZEVEDO,
F. et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. In: Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Brasília, n. 65(150), p. 407-425, mai./ago. 1984.
(2) De
acordo com o artigo 62, da Lei nº 9.394/1996: “A formação de docentes para
atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura
de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação
mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro
primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na
modalidade Normal” (grifos meus). Ressalte-se que em 7 de julho de 2010,
foi aprovado, no plenário do Senado Federal, o substitutivo ao Projeto de Lei
Complementar nº 280/2009, que define a exigência de curso superior a todos os
professores da educação básica. O substitutivo retornou à Câmara dos Deputados.
(Cf. http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/... Acesso
em: 17 jul. 2010). Contudo, com os vetos da presidenta Dilma Rousseff, o texto
final da Lei nº 12.796, sancionada em abril de 2013, excluiu essa
obrigatoriedade.
(3) A Lei nº
9.424, de 24 de dezembro de 1996, criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. O FUNDEF foi convertido
em FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), através da Lei nº 11.494, de 20 de junho de
2007.
(4) Cf.
UECE. Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. Programa de Licenciaturas Breves: uma
proposta da UECE. Fortaleza, 1997.
(5) PESSOA,
F. Poesias. Porto
Alegre: L&PM, 2011. p. 95.
(6) Em
disciplinas da área de História, do Curso de Formação de Professores do Ensino
Fundamental, foram realizados vários trabalhos de campo e seminários sobre a
história de Itarema. As personagens, o patrimônio e os segmentos citados foram
destaque desse trabalho, que envolveu, diretamente, a participação dos
professores cursistas.
(7) Apud COSTA, Marli de Oliveira. Tudo isso eles
contavam: memórias dos moradores do bairro Santo Antônio -
Criciúma - SC: 1880/2000. Criciúma, SC: Secretaria Municipal de Educação, 2000.
(8) José de
Fátima Silva (1953 -) é natural de Marco/CE e radicado, há vários anos, em
Itarema, tendo se destacado por sua dedicação em preservar o patrimônio
histórico/cultural desse município.
(9) Cf.
LIMA, J. A. V. Gestão
e autonomia universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p.
70-71.
(10) KAWASAKI,
C. S. Universidades públicas e sociedade: uma parceria necessária. Revista da Faculdade de
Educação – USP, São Paulo, v.23, n.1-2, jan./dez. 1997. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?... Acesso
em: 11 mai. 2001.
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