sexta-feira, 14 de março de 2014

UNIVERSIDADE, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E IDENTIDADE LOCAL. | Professor João Álcimo

UNIVERSIDADE, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E IDENTIDADE LOCAL



(Discurso proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau dos formandos do Curso de Formação de Professores para o Ensino Fundamental da UECE, em Itarema, em 19 de novembro de 2004).


Formação de professores: uma reivindicação histórica
Há setenta e dois anos [em 1932], vinte e seis intelectuais, por intermédio do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, revelaram uma profunda preocupação com a formação dos profissionais do magistério, imputando-lhes a exigência de escolaridade em nível superior(1). Entretanto, somente em fins de 1996 é que essa exigência foi expressa em termos legais, ou seja, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 62(2).
A LDB, ao estabelecer a “década da educação”, fixou o ano de 2007 como prazo limite para que todos os professores, a partir das séries finais do ensino fundamental,  qualifiquem-se em nível superior. Paralelamente a essa determinação legal, foi aprovada a Lei do FUNDEF(3), que proporcionou considerável “injeção” financeira aos municípios, com fins de investir no desenvolvimento do ensino fundamental e na valorização do magistério – aqui, incluindo o pagamento de cursos superiores aos seus profissionais.

  O compromisso da UECE e o caso de Itarema   
Cabe destacar que logo após a promulgação da LDB e do FUNDEF, a UECE, através do Núcleo de Educação Continuada e a Distância (NECAD) e da Coordenadoria Técnico-Pedagógica da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), implantou o programa de Licenciaturas Breves(4). Dessa forma, foram celebrados convênios com inúmeras prefeituras do Estado cearense, visando a oferta de cursos de formação de professores para o ensino fundamental. No âmbito das parcerias estabelecidas, o município de Itarema destacou-se por três aspectos: primeiro, por ter optado pela UECE, com base em sua credibilidade; segundo, pelo aspecto quantitativo do investimento, haja vista que foram constituídas cinco turmas, totalizando, aproximadamente, 200 professores, que obtiveram o grau de licenciatura; terceiro, pela pontualidade no cumprimento de suas obrigações perante à Universidade.
Por seu turno, a Universidade Estadual do Ceará ficou atenta a respeito da dimensão ética que envolve esse empreendimento de tão grande significado social. Essa dimensão, dentre outros aspectos, requer que seja assegurada a qualidade das “licenciaturas breves”, para, assim, poder-se vislumbrar uma educação básica mais competente e mais cidadã. Em poucas palavras, “aligeiramento” dos cursos não pode significar formação incompleta, bem como “educação a distância” não pode resultar em carga horária sem efeitos práticos.
Caros concludentes de Itarema: Tenho convicção de que vocês receberam uma boa formação superior, haja vista a estrutura curricular do curso, o acompanhamento pedagógico da UECE e o compromisso de vocês com a educação. Creio, portanto, que esse investimento já está dando retorno a este Município.

A singularidade da história local
Mas, como educadores de crianças, jovens e adultos, é preciso que incorporemos um sentimento de identidade local e que estimulemos o exercício da cidadania, a partir do conhecimento de nossa história mais próxima. “O rio de minha aldeia”, retratado por Fernando Pessoa, precisa se tornar uma referência teórica e prática. Fernando Pessoa, em seu célebre poema, destaca: “Ninguém nunca pensou no que há para além do rio de minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele só está ao pé dele”(5).
É essa singularidade de nossa história local, em meio a uma multiplicidade de fatores, que precisa ser olhada e pesquisada por nós. Assim, por exemplo, os índios tremembés, as acirradas disputas familiares, a sabedoria popular do senhor José “Doce”, a colônia de pescadores, o movimento dos trabalhadores rurais, o método educacional retratado pela professora Geralda Braga Monteiro, as igrejas de Almofala e de Patos e as ruínas de engenhos e senzalas(6) compuseram e compõem a identidade de Itarema. Corroborando Octávio Paz (prêmio Nobel de Literatura, em 1990), a preservação da memória é algo imprescindível, pois sua destruição “não afeta apenas o passado, como também o futuro. Para mim, a memória é a forma mais alta da imaginação humana. Se a memória se dissolve, o homem de dissolve também”(7).
Nesse sentido, abro um parêntese para ressaltar que Itarema tem o privilégio de contar com o trabalho abnegado de um pesquisador do povo e colaborador incansável na preservação do patrimônio cultural. Refiro-me ao senhor José de Fátima(8), que com sensibilidade histórica e persistência, fundou um museu nesta Cidade, que há pouco tempo passou para o domínio público municipal.

A liderança universitária
Senhoras e senhores, a preservação do patrimônio cultural e a valorização da identidade local estão em plena sintonia com a missão da instituição universitária e, de modo especial, com o princípio da liderança, presente desde sua gênese, no século XII(9). Por meio deste, torna-se imprescindível que a universidade interaja, sem o carimbo da subordinação, com o poder público e com os múltiplos agentes sociais.
Temos, assim, a universidade como instituição necessária para o desenvolvimento de projetos nacionais, estaduais e municipais e para o progresso do saber, como valor universal. Entretanto, segundo Clarice Kawasaki: “Não é papel da universidade dar retornos imediatos ou resolver problemas sociais, mas cabe a ela formar quadros críticos, ou seja, profissionais com competência técnica, científica e social, para o enfrentamento de desafios e impasses postos pela sociedade”(10).
Espera-se que as ações, na área do ensino, desenvolvidas pela UECE neste Município, tenham disseminado, a partir de sua liderança, uma perspectiva mais sólida de regionalismo, integrada aos princípios da democracia e da universalização do saber.

Considerações finais
Caros concludentes, fiquei muito honrado em ter sido escolhido como orador docente de suas turmas. Tenho dito que os cursos de formação de professores, aliados à missão de educar, levam-nos a criar intimidades com os diferentes municípios. Particularmente falando, em Itarema esta ligação professor/historiador e professores/alunos e, por conseguinte, professor/historiador e município, deram-se de formar muito especial.
Por fim, envio meus parabéns ao prefeito Stênio Rios [prefeito de Itarema, de 1986 a 88, de 1997 a 2000 e de 2001 a 2004], pelo investimento realizado: à UECE, por ter aliado expansão à competência; ao município de Itarema, por contar com um número significativo de professores com formação em nível superior; e aos concludentes, por essa indelével conquista, mas, também, pela determinação e compromisso com Itarema. 
Muito obrigado!

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)   AZEVEDO, F. et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, n. 65(150), p. 407-425, mai./ago. 1984.
(2)   De acordo com o artigo 62, da Lei nº 9.394/1996: “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal” (grifos meus). Ressalte-se que em 7 de julho de 2010, foi aprovado, no plenário do Senado Federal, o substitutivo ao Projeto de Lei Complementar nº 280/2009, que define a exigência de curso superior a todos os professores da educação básica. O substitutivo retornou à Câmara dos Deputados. (Cf. http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/... Acesso em: 17 jul. 2010). Contudo, com os vetos da presidenta Dilma Rousseff, o texto final da Lei nº 12.796, sancionada em abril de 2013, excluiu essa obrigatoriedade.
(3)   A Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. O FUNDEF foi convertido em FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), através da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.
(4)   Cf. UECE. Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. Programa de Licenciaturas Breves: uma proposta da UECE. Fortaleza, 1997.
(5)   PESSOA, F. Poesias. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 95.
(6)   Em disciplinas da área de História, do Curso de Formação de Professores do Ensino Fundamental, foram realizados vários trabalhos de campo e seminários sobre a história de Itarema. As personagens, o patrimônio e os segmentos citados foram destaque desse trabalho, que envolveu, diretamente, a participação dos professores cursistas.
(7)   Apud COSTA, Marli de Oliveira. Tudo isso eles contavam: memórias dos moradores do bairro Santo Antônio - Criciúma - SC: 1880/2000. Criciúma, SC: Secretaria Municipal de Educação, 2000.
(8)   José de Fátima Silva (1953 -) é natural de Marco/CE e radicado, há vários anos, em Itarema, tendo se destacado por sua dedicação em preservar o patrimônio histórico/cultural desse município.
(9)   Cf. LIMA, J. A. V. Gestão e autonomia universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p. 70-71.
(10) KAWASAKI, C. S. Universidades públicas e sociedade: uma parceria necessária. Revista da Faculdade de Educação – USP, São Paulo, v.23, n.1-2, jan./dez. 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?... Acesso em: 11 mai. 2001.

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