UNIVERSIDADE E SOCIEDADE:
FORMALISMO, AFETIVIDADE E INTERIORIZAÇÃO
(Discurso
proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau da UECE/CECITEC, em Tauá, em 4 de fevereiro
de 2000).
O surgimento da Universidade e a importância de seus atos formais
Já faz quase um ano que o CECITEC –
precisamente em 26 de fevereiro de 1999(1) – protagonizou a
histórica solenidade de colação de grau de seus primeiros formandos. A partir
de então, esta casa de ensino superior, pesquisa e extensão passou a
consolidar-se de forma mais contundente, haja vista a qualificação de novos
profissionais, a cada novo semestre. Esta cerimônia de formatura, muito além de
ser um mero formalismo, simboliza a própria história da academia, que é
construída por sua comunidade interna e que deve ter a participação dos diversos
segmentos da sociedade. Porquanto, esses atos formais refletem as conquistas
dos cursos, dos departamentos, dos centros e faculdades – na área de ensino,
neste caso específico – e negá-lo ou admoestá-lo é desconhecer ou menosprezar
as tradições de origens medievais e renascentistas, quase milenares das
universidades.
E foi em meio à hegemonia ideológica do clero,
ao status social dos senhores feudais
e sob os auspícios da ascensão econômica da burguesia, que surgiu a
Universidade de Bolonha, na primeira metade do século XII(2). Não
obstante a influência da Igreja em sua organização e no ensinamento das
chamadas “essências universais”, a universidade caracterizou-se como a primeira
instituição de cunho liberal da época medieval, e viria posteriormente, aliada
aos ideais renascentistas, promover um retorno ao racionalismo, que fora
destaque na Antiguidade Clássica(3). A Fé, embora nos pareça
paradoxal, passaria a ter a Razão como parceira e, ao mesmo tempo, em sua
contraposição.
A jovialidade das universidades brasileiras
Incluída entre as dez principais invenções do
milênio(4), a universidade somente surgiu no Brasil em 1920, com a
criação da Universidade do Rio de Janeiro, isto é, 420 anos após o
descobrimento deste território por parte dos portugueses e 98 anos após a nossa
emancipação política(5). Ressalte-se que o primeiro decreto [de nº 19.851] que dispôs sobre a
organização do ensino superior e adotou o regime universitário só seria
promulgado no limiar da Era Vargas, em 1931, com a Reforma Francisco Campos(6).
Se a universidade mais antiga do País tem apenas 80 anos, a primeira universidade
do Ceará, a UFC, tem somente 46 de existência [em 2000](7). Com efeito, e compreendendo a educação
como um reflexo da sociedade e do contexto global em que ela se insere, esse
atraso demasiado, em investir em universidades, atesta o nível de
desenvolvimento do país, com reflexos diferenciados em suas regiões, consoante
a implementação de investimentos também diferenciados. Assim, como bem frisou a
professora Socorro Osterne: “Dependendo da época e da região na qual se situam,
dos níveis de desenvolvimento social e econômico de seus contextos, dos padrões
culturais que ajudam a construir, são as universidades sínteses diferenciadas
de suas próprias condições”(8).
Considerando que importantes universidades
europeias já celebraram 800 anos e que países da antiga América Espanhola têm
universidades com mais de quatro séculos de funcionamento, percebe-se que essas
instituições no Brasil têm uma maturidade ainda muito relativa. Em meio a sua
jovialidade, na ótica do professor Fredric Michael Litto, da Universidade de
São Paulo (USP), “as universidades públicas no Brasil esqueceram sua missão
sagrada e se tornaram repartições públicas, profanamente mais preocupadas com questões
burocráticas do que com produzir conhecimento e novas gerações de
profissionais, com elevado espírito crítico”(9). Prossegue o
professor Fredric Litto enfatizando que “as instituições se omitem de criar
laços afetivos com docentes e discentes. O costume é falar mal da instituição
onde se leciona ou estuda. Todos trabalham apenas o mínimo necessário, sem
sinergia uns com os outros e com pouco rendimento total”(10).
UECE/CECITEC:
qualificação, laços afetivos e interiorização
A despeito das enormes dificuldades
financeiras, é notório que as ações que vêm sendo empreendidas pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE), de apenas 25 anos [em 2000], deverão conduzi-la para o rol das grandes universidades
brasileiras. Esse processo é resultado de uma política administrativa e
acadêmica, norteada por um planejamento participativo estratégico e de
realizações concretas, como, por exemplo, o avanço qualitativo dos cursos de
graduação e de pós-graduação stricto
sensu, como atestam o Exame Nacional de Cursos (Provão) e a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal e de Nível Superior (CAPES), respectivamente. Em
meio ao seu crescimento, a UECE busca superar as questões levantadas pelo
professor Litto, levando em consideração o fato de qualificar profissionais de
forma exitosa, inclusive no interior do Estado.
Entretanto, torna-se necessário que a
comunidade acadêmica crie, de fato, laços afetivos entre si e com a comunidade
externa e que as conquistas sejam verdadeiramente comemoradas, como é o exemplo
desta solenidade de colação de grau, onde 16 novos profissionais estão sendo
habilitados em nível superior(11), elevando [em 2000] para 76 o número de formados por este Centro – o CECITEC
-, que tem apenas quatro anos e meio de atividades. A universidade deve superar
a cultura departamentalista e intramuros; tem que ser autônoma, mas não
soberana; deve pautar-se pela competência, mas com o compromisso de integrar-se
às aspirações da sociedade na qual se encontra inserida.
Segundo o professor Aloísio Pimenta, ex-reitor
da Universidade Estadual de Minas Gerais
(UEMG), “a interiorização do desenvolvimento, que se coloca como um
imperativo, depende da interiorização do ensino universitário, na medida em que
é condição para o desenvolvimento cultural, científico e tecnológico”(12).
Dessa forma, a UECE, que está presente em nove microrregiões interioranas(13),
vem introduzindo, através de sua competência e de suas ações, novas
oportunidades a essas populações cearenses. O CECITEC, situado no Sertão dos
Inhamuns, é um dos exemplos da UECE, que como instituição mantenedora, tem o
desafio, de em conjunto com os diversos segmentos sociais, ampliar o seu raio
de atividades, levando em consideração o tripé consagrado oficialmente como
indissociável: ensino, pesquisa e extensão(14), ou seja, buscar
fortalecer sua missão enquanto formadora, produtora do saber e como centro de
difusão cultural e de conhecimento.
Referindo-me aos principais protagonistas
deste evento (nossos valorosos concludentes), afirmo-lhes que eles dão a
conotação de um ambiente afetuoso, característica esta, que é bem mais fluente
no povo do interior. Os laços afetivos criados no âmbito do CECITEC, podem não
ter a expressão reivindicada pelo professor Fredric Litto, mas refletem o êxito
ostentado por este jovem Centro.
Assim sendo, prezados concludentes, a
convivência afetiva que abrigou diferenças pessoais e ideológicas; a superação
das dificuldades inerentes ao início de funcionamento deste Centro; as
discussões em sala de aula; os estudos em grupo e individuais; os conhecimentos
adquiridos e transmitidos; o aguçamento da visão crítica que lhes fez crescer
como cidadãos; o prazer de ser universitário; a satisfação de ver o CECITEC
crescendo, semestre a semestre; as estratégias usadas no sentido de conciliar
academia, família e trabalho; a compreensão dos cônjuges, filhos, pais,
namorados e amigos, ao serem preteridos muitas vezes em virtude das atividades
universitárias que lhes eram atribuídas; a obstinação por parte de três de
vocês, em fazer diariamente o percurso quase intransitável de Aiuaba e Arneiroz
rumo ao CECITEC(15); e as bênçãos divinas nos dão a convicção de que
todos, aliando a competência ao entusiasmo e ao compromisso profissional, a
partir de hoje, contribuirão ainda mais com o desenvolvimento educacional e,
consequentemente, para que alcancemos um Sertão dos Inhamuns mais respeitado e
mais forte.
A
responsabilidade do profissional/intelectual
Caros concludentes, este ato de formatura é
de fato uma plausível vitória para cada um de vocês, para o CECITEC e para esta
microrregião. Com certeza, a sociedade encara-lhes como membros de uma elite
intelectual e uma massa crítica de pensamento. Eis, portanto, a grande
responsabilidade que o grau de licenciatura confere-lhes e que a sociedade em
vocês deposita: formar cidadãos e posicionar-se perante os fatos, com a
inserção de críticas construtivas e com a valorização do indivíduo, mas sob o
signo da coletividade. Nessa ótica e como vocês mesmos podem sentir, os seus
desafios se ampliam vertiginosamente. Encarem-nos com profissionalismo,
entretanto, sem se esquecerem de observar os valores éticos e os princípios
democráticos.
Finalmente, evoco o notável alemão Albert Einstein
(prêmio Nobel de Física, em 1921), que em meio às suas intensas atividades
científicas deixou-nos esta lição lapidar: “Procure ser um homem de valor em
vez de procurar ser um homem de sucesso”(16).
Muito obrigado!
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) À
referida colação de grau, compareceram, dentre várias autoridades, o então
vice-governador Beni Veras, no exercício do Governo estadual e o ex-governador
Ciro Ferreira Gomes, escolhido pelos concludentes como paraninfo das turmas.
(2) Cf.
LIMA, J. A. V. Origem e expansão das universidades. In: ______. Gestão e autonomia
universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p. 31-44.
(3) Cf.
Ibid.
(4) Cf. CARVALHO,
F. 10 ideias geniais do milênio. Superinteressante, São Paulo, n. 12, p.
38-47, dez. 1999.
(5) Cf.
LIMA, J. A. V. A Universidade nas Américas. In:
______. Gestão
e autonomia universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p. 54-65.
(6) Cf.
Ibid.
(7) Cf.
Ibid. p. 103.
(8) OSTERNE,
M. S. F. O
papel da Universidade Estadual como suporte para o desenvolvimento cultural,
científico, tecnológico e gerencial do Estado do Ceará. Fortaleza:
UECE/CESA, 1995. p. 3. (Texto digitado).
(9) LITTO,
F. M. Universidade, do sagrado ao profano. São Paulo, 1998. Disponível em: http://www.futuro.usp.br/producao_.... Acesso
em: 11 nov. 2002.
(10)
Ibid.
(11)
Os concludentes da referida solenidade são: curso de Ciências -
Antonia Carlene Gonçalves S. Cavalcante, Maria Adriana Vieira Lucrécio e
Raimundo Nonato Gomes Duarte; curso de Pedagogia – Anamélia Custódio Mota, Antonia Telma Pimentel
Moura; Geralda Ferreira Lima, José Lourenço Sousa, Marluce Torquato Lima, Maria
Célia Soares Mota Dias, Maria da Penha de Oliveira Chaves, Marina Monteiro
Moreira, Paulo Rodrigues Barbosa, Raimunda Bezerra de Moraes, Sirlene Maria do
Nascimento, Telma Gleide Feitosa Gonçalves e Valdriano Ferreira do Nascimento.
(12)
PIMENTA, A. Universidade Estadual: em busca de
soluções para cada região. Caminhos, Belo Horizonte, 199-, p. 93.
(13)
Aqui, foram contabilizados os campi avançados de Senador Pompeu, Baturité e Pentecoste, ainda em
funcionamento em 2000.
(14)
Cf. o artigo 207 da Constituição Federativa do Brasil
(1988) e o artigo 52 da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional).
(15)
À época (2000), a CE-176, que liga Tauá a Arneiroz e
a Aiuaba ainda não era asfaltada.
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