sexta-feira, 14 de março de 2014

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE: FORMALISMO, AFETIVIDADE E INTERIORIZAÇÃO. | Professor João Álcimo

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE: FORMALISMO, AFETIVIDADE E INTERIORIZAÇÃO


(Discurso proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau da UECE/CECITEC, em Tauá, em 4 de fevereiro de 2000).


O surgimento da Universidade e a importância de seus atos formais

Já faz quase um ano que o CECITEC – precisamente em 26 de fevereiro de 1999(1) – protagonizou a histórica solenidade de colação de grau de seus primeiros formandos. A partir de então, esta casa de ensino superior, pesquisa e extensão passou a consolidar-se de forma mais contundente, haja vista a qualificação de novos profissionais, a cada novo semestre. Esta cerimônia de formatura, muito além de ser um mero formalismo, simboliza a própria história da academia, que é construída por sua comunidade interna e que deve ter a participação dos diversos segmentos da sociedade. Porquanto, esses atos formais refletem as conquistas dos cursos, dos departamentos, dos centros e faculdades – na área de ensino, neste caso específico – e negá-lo ou admoestá-lo é desconhecer ou menosprezar as tradições de origens medievais e renascentistas, quase milenares das universidades.
E foi em meio à hegemonia ideológica do clero, ao status social dos senhores feudais e sob os auspícios da ascensão econômica da burguesia, que surgiu a Universidade de Bolonha, na primeira metade do século XII(2). Não obstante a influência da Igreja em sua organização e no ensinamento das chamadas “essências universais”, a universidade caracterizou-se como a primeira instituição de cunho liberal da época medieval, e viria posteriormente, aliada aos ideais renascentistas, promover um retorno ao racionalismo, que fora destaque na Antiguidade Clássica(3). A Fé, embora nos pareça paradoxal, passaria a ter a Razão como parceira e, ao mesmo tempo, em sua contraposição.

A jovialidade das universidades brasileiras
Incluída entre as dez principais invenções do milênio(4), a universidade somente surgiu no Brasil em 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro, isto é, 420 anos após o descobrimento deste território por parte dos portugueses e 98 anos após a nossa emancipação política(5). Ressalte-se que o primeiro decreto [de nº 19.851] que dispôs sobre a organização do ensino superior e adotou o regime universitário só seria promulgado no limiar da Era Vargas, em 1931, com a Reforma Francisco Campos(6). Se a universidade mais antiga do País tem apenas 80 anos, a primeira universidade do Ceará, a UFC, tem somente 46 de existência [em 2000](7). Com efeito, e compreendendo a educação como um reflexo da sociedade e do contexto global em que ela se insere, esse atraso demasiado, em investir em universidades, atesta o nível de desenvolvimento do país, com reflexos diferenciados em suas regiões, consoante a implementação de investimentos também diferenciados. Assim, como bem frisou a professora Socorro Osterne: “Dependendo da época e da região na qual se situam, dos níveis de desenvolvimento social e econômico de seus contextos, dos padrões culturais que ajudam a construir, são as universidades sínteses diferenciadas de suas próprias condições”(8).
Considerando que importantes universidades europeias já celebraram 800 anos e que países da antiga América Espanhola têm universidades com mais de quatro séculos de funcionamento, percebe-se que essas instituições no Brasil têm uma maturidade ainda muito relativa. Em meio a sua jovialidade, na ótica do professor Fredric Michael Litto, da Universidade de São Paulo (USP), “as universidades públicas no Brasil esqueceram sua missão sagrada e se tornaram repartições públicas, profanamente mais preocupadas com questões burocráticas do que com produzir conhecimento e novas gerações de profissionais, com elevado espírito crítico”(9). Prossegue o professor Fredric Litto enfatizando que “as instituições se omitem de criar laços afetivos com docentes e discentes. O costume é falar mal da instituição onde se leciona ou estuda. Todos trabalham apenas o mínimo necessário, sem sinergia uns com os outros e com pouco rendimento total”(10).

UECE/CECITEC: qualificação, laços afetivos e interiorização
A despeito das enormes dificuldades financeiras, é notório que as ações que vêm sendo empreendidas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), de apenas 25 anos [em 2000], deverão conduzi-la para o rol das grandes universidades brasileiras. Esse processo é resultado de uma política administrativa e acadêmica, norteada por um planejamento participativo estratégico e de realizações concretas, como, por exemplo, o avanço qualitativo dos cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu, como atestam o Exame Nacional de Cursos (Provão) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e de Nível Superior (CAPES), respectivamente. Em meio ao seu crescimento, a UECE busca superar as questões levantadas pelo professor Litto, levando em consideração o fato de qualificar profissionais de forma exitosa, inclusive no interior do Estado.
Entretanto, torna-se necessário que a comunidade acadêmica crie, de fato, laços afetivos entre si e com a comunidade externa e que as conquistas sejam verdadeiramente comemoradas, como é o exemplo desta solenidade de colação de grau, onde 16 novos profissionais estão sendo habilitados em nível superior(11), elevando [em 2000] para 76 o número de formados por este Centro – o CECITEC -, que tem apenas quatro anos e meio de atividades. A universidade deve superar a cultura departamentalista e intramuros; tem que ser autônoma, mas não soberana; deve pautar-se pela competência, mas com o compromisso de integrar-se às aspirações da sociedade na qual se encontra inserida.
Segundo o professor Aloísio Pimenta, ex-reitor da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), “a interiorização do desenvolvimento, que se coloca como um imperativo, depende da interiorização do ensino universitário, na medida em que é condição para o desenvolvimento cultural, científico e tecnológico”(12). Dessa forma, a UECE, que está presente em nove microrregiões interioranas(13), vem introduzindo, através de sua competência e de suas ações, novas oportunidades a essas populações cearenses. O CECITEC, situado no Sertão dos Inhamuns, é um dos exemplos da UECE, que como instituição mantenedora, tem o desafio, de em conjunto com os diversos segmentos sociais, ampliar o seu raio de atividades, levando em consideração o tripé consagrado oficialmente como indissociável: ensino, pesquisa e extensão(14), ou seja, buscar fortalecer sua missão enquanto formadora, produtora do saber e como centro de difusão cultural e de conhecimento.
Referindo-me aos principais protagonistas deste evento (nossos valorosos concludentes), afirmo-lhes que eles dão a conotação de um ambiente afetuoso, característica esta, que é bem mais fluente no povo do interior. Os laços afetivos criados no âmbito do CECITEC, podem não ter a expressão reivindicada pelo professor Fredric Litto, mas refletem o êxito ostentado por este jovem Centro.
Assim sendo, prezados concludentes, a convivência afetiva que abrigou diferenças pessoais e ideológicas; a superação das dificuldades inerentes ao início de funcionamento deste Centro; as discussões em sala de aula; os estudos em grupo e individuais; os conhecimentos adquiridos e transmitidos; o aguçamento da visão crítica que lhes fez crescer como cidadãos; o prazer de ser universitário; a satisfação de ver o CECITEC crescendo, semestre a semestre; as estratégias usadas no sentido de conciliar academia, família e trabalho; a compreensão dos cônjuges, filhos, pais, namorados e amigos, ao serem preteridos muitas vezes em virtude das atividades universitárias que lhes eram atribuídas; a obstinação por parte de três de vocês, em fazer diariamente o percurso quase intransitável de Aiuaba e Arneiroz rumo ao CECITEC(15); e as bênçãos divinas nos dão a convicção de que todos, aliando a competência ao entusiasmo e ao compromisso profissional, a partir de hoje, contribuirão ainda mais com o desenvolvimento educacional e, consequentemente, para que alcancemos um Sertão dos Inhamuns mais respeitado e mais forte.

A responsabilidade do profissional/intelectual
Caros concludentes, este ato de formatura é de fato uma plausível vitória para cada um de vocês, para o CECITEC e para esta microrregião. Com certeza, a sociedade encara-lhes como membros de uma elite intelectual e uma massa crítica de pensamento. Eis, portanto, a grande responsabilidade que o grau de licenciatura confere-lhes e que a sociedade em vocês deposita: formar cidadãos e posicionar-se perante os fatos, com a inserção de críticas construtivas e com a valorização do indivíduo, mas sob o signo da coletividade. Nessa ótica e como vocês mesmos podem sentir, os seus desafios se ampliam vertiginosamente. Encarem-nos com profissionalismo, entretanto, sem se esquecerem de observar os valores éticos e os princípios democráticos.
Finalmente, evoco o notável alemão Albert Einstein (prêmio Nobel de Física, em 1921), que em meio às suas intensas atividades científicas deixou-nos esta lição lapidar: “Procure ser um homem de valor em vez de procurar ser um homem de sucesso”(16).
Muito obrigado!


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)  À referida colação de grau, compareceram, dentre várias autoridades, o então vice-governador Beni Veras, no exercício do Governo estadual e o ex-governador Ciro Ferreira Gomes, escolhido pelos concludentes como paraninfo das turmas.
(2)  Cf. LIMA, J. A. V. Origem e expansão das universidades. In: ______. Gestão e autonomia universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p. 31-44.
(3)  Cf. Ibid.
(4)  Cf. CARVALHO, F. 10 ideias geniais do milênio. Superinteressante, São Paulo, n. 12, p. 38-47, dez. 1999.
(5)  Cf. LIMA, J. A. V. A Universidade nas Américas. In:  ______. Gestão e autonomia universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p. 54-65.
(6)  Cf. Ibid.
(7)  Cf. Ibid. p. 103.
(8)  OSTERNE, M. S. F. O papel da Universidade Estadual como suporte para o desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e gerencial do Estado do Ceará. Fortaleza: UECE/CESA, 1995. p. 3. (Texto digitado).
(9)  LITTO, F. M. Universidade, do sagrado ao profano. São Paulo, 1998. Disponível em: http://www.futuro.usp.br/producao_.... Acesso em: 11 nov. 2002.
(10)               Ibid.
(11)               Os concludentes da referida solenidade são: curso de Ciências - Antonia Carlene Gonçalves S. Cavalcante, Maria Adriana Vieira Lucrécio e Raimundo Nonato Gomes Duarte; curso de Pedagogia – Anamélia Custódio Mota, Antonia Telma Pimentel Moura; Geralda Ferreira Lima, José Lourenço Sousa, Marluce Torquato Lima, Maria Célia Soares Mota Dias, Maria da Penha de Oliveira Chaves, Marina Monteiro Moreira, Paulo Rodrigues Barbosa, Raimunda Bezerra de Moraes, Sirlene Maria do Nascimento, Telma Gleide Feitosa Gonçalves e Valdriano Ferreira do Nascimento.
(12)               PIMENTA, A. Universidade Estadual: em busca de soluções para cada região. Caminhos, Belo Horizonte, 199-, p. 93.
(13)               Aqui, foram contabilizados os campi avançados de Senador Pompeu, Baturité e Pentecoste, ainda em funcionamento em 2000.
(14)               Cf. o artigo 207 da Constituição Federativa do Brasil (1988) e o artigo 52 da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
(15)               À época (2000), a CE-176, que liga Tauá a Arneiroz e a Aiuaba ainda não era asfaltada.
(16)               Disponível em: http://www.pensador.info/frase/MTAzNzI/. Acesso em: 7 jan. 2010.

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