A CRISE ATUAL DE PARADIGMAS DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA E O CECITEC NO CONTEXTO DA INTERIORIZAÇÃO
(Discurso
proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau da
UECE/CECITEC, em Tauá, em 29 de junho de 2007).
A
instituição universitária brasileira, em que pese a sua jovialidade – se a
compararmos com a dimensão histórica da universidade, no contexto internacional
ou com o tempo de sua implantação em outros países das Américas(1) –
vem passando por uma crise de identidade nos últimos anos, o que nos tem conduzido
à revisão/reflexão de princípios a ela subjacentes.
É
notório que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996
(aliás, a segunda de nossa história a contemplar todos os níveis de ensino)(2),
promoveu uma maior diversificação do sistema de ensino superior, atraindo a
iniciativa privada para investimentos nessa área. Por conseguinte, muitos
cursos superiores foram criados nesta última década, no âmbito de institutos
superiores, escolas superiores, faculdades, faculdades integradas e centros
universitários, dos quais não se exige o cumprimento dos princípios
universitários, em sua amplitude histórica e sociopolítica(3). Isso
porque a legislação brasileira dispensa das instituições retroaludidas a tarefa
de trabalhar o ensino, a pesquisa e a extensão, de forma indissociada. Ora, a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, aliada ao universalismo,
ao pluralismo, à liderança e à liberdade, são princípios que simbolizam a origem,
a expansão e a dinâmica da universidade, que se constituiu, com efeito, como
relevante instituição social.
Senhoras
e senhores: Compreendo que a flexibilização do sistema produz alternativas, que
inseridas em patamares de qualidade, contribuem para o atendimento das demandas
por conhecimento. Destarte, torna-se necessário que as preocupações
estatísticas estejam aliadas ao censo emancipatório e civilizador. Não podemos,
pois, aceitar que a rapidez e a adaptação operacional ofusquem a função pública
e estratégica dos cursos superiores, mesmo quando ofertados por instituições
não universitárias.
Esse
contexto de expansão de entidades privadas no Brasil revela-nos duas facetas
geradoras da crise aqui destacada: 1º - O conhecimento está avançando em uma
velocidade extraordinária, a ponto das universidades não terem mais a certeza
de serem capazes de acompanhá-lo. 2º - Os problemas estruturais sem
resolutividade, ao longo dos anos e a difícil e frágil relação com o Estado e a
sociedade têm arrefecido o espírito provocante de nossas universidades, numa
perspectiva de propostas e projetos, levando-as a se concentrarem em seus
problemas emergenciais.
Todavia,
não há como negar que de todas as instituições de ensino superior, é a universidade,
considerando suas dimensões e sua grandeza cultural, a que tem maior potencialidade
para educar, numa perspectiva de inclusão e de desenvolvimento social. Nesse
sentido, corroboro as palavras de Milton
Santos [1926-2001]: “[...] Com
todos os seus defeitos atuais, tão parecidos em quase todo o mundo, as
universidades geram o veneno e o antídoto, mesmo se em doses diferentes. Lugar
de um saber vigiado e viciado, elas são, também e ainda, o único lugar onde o
contra-saber tem a possibilidade de nascer e às vezes prosperar [...]”(4).
Dez questões a serem enfrentadas
Com
essa visão de Universidade, entendemos que se faz necessário o enfrentamento de
questões, a partir de nossa comunidade universitária, para que correspondamos aos
nossos postulados históricos e, por conseguinte, à construção do saber e do
contra-saber. Com efeito, elenquei dez pontos, que, a meu juízo, são
merecedores de atenção:
1º
- É preciso, em meio à diversidade, que se discutam e se definam os desafios da
universidade brasileira, para além da Reforma Universitária que tramita no
Congresso Nacional (PL 7200/2006)(5).
2º
- É imperioso o fortalecimento do diálogo com a sociedade civil, estreitando-se
os canais de participação e de cooperação.
3º
- É importante que a avaliação interna seja concebida como instrumento de
fortalecimento institucional e de democratização da gestão.
4º
- Urge que em meio a um processo educacional que nasceu, estabeleceu-se e
expandiu-se sob o signo aristocrático e, portanto, da exclusão dos pobres, dos
negros e dos índios, que tenhamos a coragem para discutir e deliberar sobre a
proposta de cotas(6).
5º
- A universidade pública brasileira, a despeito da marca elitista a ela
reputada, precisa se aproximar do povo, a partir de ações que passem pelo
ensino, mas que incorporem a pesquisa e a extensão como algo que possa ir ao
encontro de seus anseios.
6º
- É necessário que se definam claramente, através de encaminhamentos mais
objetivos com as instâncias governamentais, as fontes de financiamento em
valores reais de nossas universidades públicas.
7º
- A universidade precisa estabelecer metas, incluindo o ingresso e a conclusão
de alunos, a produção científica e outros serviços que podem ser oferecidos à
sociedade. Sob essa ótica, o professor José Paulo Netto (da UFRJ) entende que
“o problema não é a lógica custo-benefício, o problema é a lógica gerencial
capitalista custo-benefício”(7). Assim, é louvável que sejam
projetados retornos de âmbito social, diferindo-os, no entanto, do pragmatismo
neoliberal.
8º
- Os profissionais das universidades, por uma questão de valorização e de
cidadania, não podem desprezar, em qualquer que seja o governo, os movimentos e
as lutas em prol de salários dignos e compatíveis com as funções exercidas. Todavia
– Marilena Chauí adverte-nos a esse respeito(8) -, a “bandeira” por
salários justos não pode ser a causa exclusiva da categoria docente. Há
questões cruciais e estratégicas inerentes à própria universidade (como a autonomia)
e à sociedade (como a reforma política e os programas de transferência de
renda) que precisam ser aprofundadas a partir da liderança universitária.
9º
- É imprescindível que as universidades estejam atentas e que acompanhem o
avanço das tecnologias da informação e comunicação, numa perspectiva de
qualificação do saber e de ampliação de seus serviços. Desse modo, não se pode
descartar um programa de educação a distância, onde a tecnologia aproxime os
espaços físicos e potencialize a formação de profissionais e a socialização do
conhecimento de forma expressiva e qualitativa.
10º
- A universidade, assim como outras instituições de ensino superior, precisa ir
além dos grandes centros, atentando para a necessidade de se reduzirem as
desigualdades sociais e regionais. Nesse sentido, enalteço as ações e propostas
do Governo federal de expansão da sua rede universitária e do sistema de
educação profissional e tecnológica a regiões interioranas do País.
CECITEC e interiorização universitária
Senhoras
e senhores: Este último ponto abordado destaca a importância da interiorização
universitária. No caso cearense, tal processo construiu-se, a partir de
investimentos feitos pelo sistema público estadual de universidades,
especialmente através da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Desse modo, a
partir de sua criação (em 1975), seis unidades acadêmicas, além de Campi Avançados, com sede fora da
Capital, foram implantados e/ou incorporados à sua estrutura(9).
O nosso CECITEC é fruto da missão de interiorizar o saber que a UECE
tomou para si, especialmente com a omissão da Universidade Federal do Ceará.
Mas, necessário se faz acrescentar que o CECITEC, fundado em 1995, é signatário
de um projeto de gestão que inseriu o fortalecimento da expansão universitária,
além-Fortaleza, como meta prioritária. Falo, portanto, do reitorado do saudoso
Paulo de Melo Jorge Filho (professor Paulo Petrola) [1992-96], que tinha convicção técnica e política da importância do
processo de interiorização acadêmica, como indutor do desenvolvimento
microrregional. Em sintonia com o pensamento de Petrola, a professora Moema
Cartibani (da Universidade Estadual de Santa Cruz/UESC, situada no interior
baiano) destaca que: “Quando instalada em determinada região, a instituição
universitária ganha contornos socioespaciais pela incorporação do contexto
local (econômico, político, cultural e histórico) nas funções que exerce. Nesse
movimento, assume importância singular na dinâmica dos processos de
desenvolvimento relacionados a questões específicas dos diferentes espaços
regionais”(10).
O CECITEC foi planejado e implantado com a visão administrativa e a
consciência política de seu papel estratégico, no contexto de Tauá e do Sertão
dos Inhamuns. Para tanto, houve uma combinação entre o compromisso
institucional, a participação da sociedade, os valores universitários e as
demandas microrregionais.
Magnífico Reitor, senhoras e senhores: Se recorrermos a documentos
deste Centro (quer sejam os relatórios escritos, os registros diversos de
atividades, as fontes iconográficas, dentre outros), se recorrermos a artigos e
monografias de graduação que abordam a temática em pauta, ou se recorrermos
diretamente à sociedade local, saberemos que, não obstante às inúmeras
dificuldades, o CECITEC foi alicerçado pelo esforço permanente de integração e
participação social; pelo respeito aos colegiados internos; pela liderança em
torno da criação de agendas estratégicas e de encaminhamento de questões
emergenciais; pelo planejamento numa perspectiva de crescimento e consolidação;
pelo esforço de integração do ensino com atividades extensionistas e de
iniciação científica; pela competência acadêmica, revelada em sucessivas
avaliações favoráveis, inclusive com conceito máximo, do Ministério da Educação;
pela socialização do conhecimento, por intermédio de inúmeras atividades
extensionistas, considerando nossa vocação; pela interssetorialização; pelas
parcerias institucionais; pelo respeito a todos os que fazem e/ou faziam esta
Unidade, em meio ao espírito plural – que é próprio da universidade; pela valorização da cultura popular; e, pelo
fato de nos instituirmos como um espaço essencialmente das discussões públicas,
com um grande número de seminários, debates e conferências, em torno de várias
temáticas, aqui realizados em sua fase inicial.
Concordo
plenamente com o pensamento do professor e senador Cristovam Buarque, ao
afirmar que a universidade “não pode mais ficar isolada” e que precisa
“aproximar-se de quem está do lado, de quem ela não vê, dos pobres perto do campus”(11). E, com efeito,
compreendo, com a serenidade e a ousadia acadêmica que o CECITEC, na qualidade
de unidade integrante de uma estrutura universitária e sediada no interior do
Estado, não pode se furtar de exercer seu papel de liderança e de ocupar um
lugar estratégico, no contexto desta microrregião.
Para
tanto, precisamos avançar, de forma planejada, processual e articulada com a
matriz institucional e com os anseios sociais, sem perder de vista os
princípios universitários. Nesse sentido, é premissa básica que conheçamos a
história de nossa gente, de nossos lugares e de nossas instituições, a começar
pela história do CECITEC. Entendo que o avançar se constrói pelo conhecimento,
do qual se geram as críticas, as alternativas e os novos projetos. E, nesse
aspecto, e em respeito à cultura e à ciência, é condição sine qua non que nossa memória não seja destruída e que nossa
história seja respeitada, comemorada e socializada, sob múltiplos matizes e
diferentes visões. A propósito, destaco que este Centro, tão significante para
Tauá, para os Inhamuns e para todos nós, completou 12 anos de fundação, no
último 19 de junho [em 2007].
Considerações finais
Caras
e caros concludentes: Já tive a honra de ser escolhido por outras turmas de
concludentes, na qualidade de orador docente. Mas, esta delegação a mim
confiada na data de hoje, foi especialmente tocante. Isso porque nesta
caminhada universitária, partilhamos de momentos, ora comemorativos, ora
reflexivos, ora replicantes, ora decepcionantes. Mas, vocês, fazendo jus ao
espírito plural e à vocação democrática da instituição universitária, não
fizeram do silêncio e da omissão a marca de suas vidas acadêmicas. De fato, a
denominação da turma de Pedagogia de “Consciência para ter coragem” foi
bastante oportuna. Aliás, em torno das categorias “consciência” e “coragem” há
sempre uma recíproca verdadeira. Além disso, a homenagem das turmas de
Ciências, Ciências Biológicas e Química ao nosso aluno José Kennedy de Carvalho
Lima, falecido prematuramente [em 2007],
é por demais justa e digna de reconhecimento.
Senhoras
e senhores: Como é do conhecimento de todas e de todos, estou no momento,
exercendo a missão de coordenar políticas municipais de ciência, tecnologia e
empreendedorismo, a mim confiada pela senhora prefeita de Tauá, Patrícia
Aguiar. Aproveitando este ensejo, em seu nome, anuncio que na próxima semana,
iniciaremos a construção de um quiosque digital, nas dependências deste Campus. Os quiosques, já implantados em
outros três pontos estratégicos da sede municipal, integram o programa Cidade
Digital de Tauá(12) e contam com quatro computadores cada,
possibilitando o acesso gratuito à internet. Compreendo, assim, que essa
parceria proposta pela Prefeitura local vem ao encontro da necessidade de
fortalecermos o conhecimento e de integrarmos a instituição universitária a
tecnologias da comunicação e informação.
Parabéns
caras e caros concludentes(13). Muito obrigado pelo convívio e pelo
aprendizado que vocês nos proporcionaram. Que Deus lhes proteja. Muito
obrigado!
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Cf. LIMA, J. A. V. A natureza singular
da instituição universitária. In: ______. Gestão
e autonomia universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p.
29-73.
(2) A 1ª Lei Nacional de Diretrizes e
Bases a contemplar todos os graus de ensino foi a de nº 4.024, promulgada em
1961. (Cf. ROMANELLI, O. O. História da
Educação no Brasil. 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 171 et seq.).
(3) Os princípios universitários são
destacados no primeiro discurso deste livro.
(4) SANTOS, M. A Universidade: da internacionalidade à universalidade. Rio de
Janeiro, 24 set. 1999. (Discurso proferido na UFRJ).
(5) O projeto de Lei nº 7.200 foi
apresentado, pelo Poder Executivo, à Câmara dos Deputados, em 12 de junho de
2006. Referido PL: “Estabelece normas gerais da educação superior, regula a
educação superior no sistema federal de ensino, altera as Leis nºs 9.394, de 20
de dezembro de 1996; 8.958, de 20 de dezembro de 1994; 9.504, de 30 de setembro
de 1997; 9.532, de 10 de dezembro de 1997; 9.870, de 23 de novembro de 1999; e
dá outras providências” (Cf. http://www.camara.gov.br/sileg/prop_detalhe.asp?id=327390.
Acesso em: 13 jul. 2010).
(6) Após a
tramitação dos projetos de Lei nº 73/09 e nº 180/08, de autoria da deputada
Nice Lobão (DEM/MA) e de sua aprovação final no Senado, em agosto de 2012, a
presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.711, que reserva 50% das
matrículas por curso e turno, nas universidades federais e institutos federais
de educação, ciência e tecnologia, a estudantes provenientes, integralmente, do
ensino médio público. De acordo com a citada Lei, no âmbito da cota de 50% das
vagas, será considerado o percentual mínimo correspondente ao da soma de
pretos, pardos e indígenas, conforme o último censo demográfico do IBGE.
(7) PAULO
NETTO, J. Reforma do Estado e impactos no ensino superior. Temporalis,
Brasília, v. 1, n. 1, jan./jul. 2000. p. 26.
(8) CHAUÍ, M. Uma aula a ser guardada,
histórica. Entrevista concedida a Caros
Amigos, São Paulo, n. 3, abr. 2001. p. 11.
(9) Cf. LIMA, J. A. V. Op. cit. p.
103-109.
(10)
CARTIBANI,
M. Universidade e Região: O papel
das universidades estaduais da Bahia. In: XV Encontro de Pesquisa Educacional
do Norte e Nordeste. São Luís: UFMA, 2003. p. 3-4.
(11)
BUARQUE,
C. Discurso... Brasília: Assessoria
de Comunicação Social do MEC, 2003.
(12)
O
programa Cidade Digital de Tauá foi implantado, em parceria com o Ministério
das Comunicações, no segundo semestre de 2006. Dentre um conjunto de estrutura
e ações integradas, destaco: Centro de Desenvolvimento Tecnológico e
Científico; provedor de internet; Sala de videoconferência e formação a
distância; Centro de capacitação tecnológica (CCT); CCT’s escolares; quiosques
digitais; TauáNet móvel; TeleSaudade; Centro de processamento de dados; Agente
comunitário de saúde digital.
(13)
Os concludentes da referida solenidade são os
seguintes: curso
de Ciências Biológicas – Elaine Cristina de Sena Amorim, Glória Fernandes
Lima e João Gláucio Siqueira Bastos Mota; curso de Pedagogia – Antônio Moreira
Cavalcante, Damião Alves de Oliveira, Evilênia Oliveira Gaspar, Fabiana
Pompílio de Matos, Francisco Anteciano Barreto de Lima, Francisco Haroldo
Gonçalves, Francisco Hélio Damião, Gleidivany Marques de Sousa, Isabel Maria da
Franca, Janaína Feitosa Silva, Kayanne Bezerra de Oliveira e Silva, Liduíno de
Castro Fontenele, Luana Cavalcante Carvalho, Luiz Auci Oliveira Sousa, Manoel
Siqueira de Sousa, Márcia Maria Noronha Lima, Maria Gerlanne de Souza, Maria
Guiomar Bezerra Calaça, Marinete Moura Mota, Michel Alves Loiola, Silas Alves
Siqueira e Yonara Mota de Assis Castro; curso de Química – Francisco Edivaldo Fernandes
Teixeira e Jessé Alves de Araújo.
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