sexta-feira, 14 de março de 2014

A CRISE ATUAL DE PARADIGMAS DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA E O CECITEC NO CONTEXTO DA INTERIORIZAÇÃO | Professor João Álcimo

A CRISE ATUAL DE PARADIGMAS DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA E O CECITEC NO CONTEXTO DA INTERIORIZAÇÃO


(Discurso proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau da UECE/CECITEC, em Tauá, em 29 de junho de 2007).


A instituição universitária brasileira, em que pese a sua jovialidade – se a compararmos com a dimensão histórica da universidade, no contexto internacional ou com o tempo de sua implantação em outros países das Américas(1) – vem passando por uma crise de identidade nos últimos anos, o que nos tem conduzido à revisão/reflexão de princípios a ela subjacentes.
É notório que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996 (aliás, a segunda de nossa história a contemplar todos os níveis de ensino)(2), promoveu uma maior diversificação do sistema de ensino superior, atraindo a iniciativa privada para investimentos nessa área. Por conseguinte, muitos cursos superiores foram criados nesta última década, no âmbito de institutos superiores, escolas superiores, faculdades, faculdades integradas e centros universitários, dos quais não se exige o cumprimento dos princípios universitários, em sua amplitude histórica e sociopolítica(3). Isso porque a legislação brasileira dispensa das instituições retroaludidas a tarefa de trabalhar o ensino, a pesquisa e a extensão, de forma indissociada. Ora, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, aliada ao universalismo, ao pluralismo, à liderança e à liberdade, são princípios que simbolizam a origem, a expansão e a dinâmica da universidade, que se constituiu, com efeito, como relevante instituição social.
Senhoras e senhores: Compreendo que a flexibilização do sistema produz alternativas, que inseridas em patamares de qualidade, contribuem para o atendimento das demandas por conhecimento. Destarte, torna-se necessário que as preocupações estatísticas estejam aliadas ao censo emancipatório e civilizador. Não podemos, pois, aceitar que a rapidez e a adaptação operacional ofusquem a função pública e estratégica dos cursos superiores, mesmo quando ofertados por instituições não universitárias.
Esse contexto de expansão de entidades privadas no Brasil revela-nos duas facetas geradoras da crise aqui destacada: 1º - O conhecimento está avançando em uma velocidade extraordinária, a ponto das universidades não terem mais a certeza de serem capazes de acompanhá-lo. 2º - Os problemas estruturais sem resolutividade, ao longo dos anos e a difícil e frágil relação com o Estado e a sociedade têm arrefecido o espírito provocante de nossas universidades, numa perspectiva de propostas e projetos, levando-as a se concentrarem em seus problemas emergenciais.
Todavia, não há como negar que de todas as instituições de ensino superior, é a universidade, considerando suas dimensões e sua grandeza cultural, a que tem maior potencialidade para educar, numa perspectiva de inclusão e de desenvolvimento social. Nesse sentido, corroboro as palavras de Milton Santos [1926-2001]: “[...] Com todos os seus defeitos atuais, tão parecidos em quase todo o mundo, as universidades geram o veneno e o antídoto, mesmo se em doses diferentes. Lugar de um saber vigiado e viciado, elas são, também e ainda, o único lugar onde o contra-saber tem a possibilidade de nascer e às vezes prosperar [...]”(4).

Dez questões a serem enfrentadas

Com essa visão de Universidade, entendemos que se faz necessário o enfrentamento de questões, a partir de nossa comunidade universitária, para que correspondamos aos nossos postulados históricos e, por conseguinte, à construção do saber e do contra-saber. Com efeito, elenquei dez pontos, que, a meu juízo, são merecedores de atenção:
1º - É preciso, em meio à diversidade, que se discutam e se definam os desafios da universidade brasileira, para além da Reforma Universitária que tramita no Congresso Nacional (PL 7200/2006)(5).
2º - É imperioso o fortalecimento do diálogo com a sociedade civil, estreitando-se os canais de participação e de cooperação.
3º - É importante que a avaliação interna seja concebida como instrumento de fortalecimento institucional e de democratização da gestão.
4º - Urge que em meio a um processo educacional que nasceu, estabeleceu-se e expandiu-se sob o signo aristocrático e, portanto, da exclusão dos pobres, dos negros e dos índios, que tenhamos a coragem para discutir e deliberar sobre a proposta de cotas(6).
5º - A universidade pública brasileira, a despeito da marca elitista a ela reputada, precisa se aproximar do povo, a partir de ações que passem pelo ensino, mas que incorporem a pesquisa e a extensão como algo que possa ir ao encontro de seus anseios.
6º - É necessário que se definam claramente, através de encaminhamentos mais objetivos com as instâncias governamentais, as fontes de financiamento em valores reais de nossas universidades públicas.
7º - A universidade precisa estabelecer metas, incluindo o ingresso e a conclusão de alunos, a produção científica e outros serviços que podem ser oferecidos à sociedade. Sob essa ótica, o professor José Paulo Netto (da UFRJ) entende que “o problema não é a lógica custo-benefício, o problema é a lógica gerencial capitalista custo-benefício”(7). Assim, é louvável que sejam projetados retornos de âmbito social, diferindo-os, no entanto, do pragmatismo neoliberal.
8º - Os profissionais das universidades, por uma questão de valorização e de cidadania, não podem desprezar, em qualquer que seja o governo, os movimentos e as lutas em prol de salários dignos e compatíveis com as funções exercidas. Todavia – Marilena Chauí adverte-nos a esse respeito(8) -, a “bandeira” por salários justos não pode ser a causa exclusiva da categoria docente. Há questões cruciais e estratégicas inerentes à própria universidade (como a autonomia) e à sociedade (como a reforma política e os programas de transferência de renda) que precisam ser aprofundadas a partir da liderança universitária.
9º - É imprescindível que as universidades estejam atentas e que acompanhem o avanço das tecnologias da informação e comunicação, numa perspectiva de qualificação do saber e de ampliação de seus serviços. Desse modo, não se pode descartar um programa de educação a distância, onde a tecnologia aproxime os espaços físicos e potencialize a formação de profissionais e a socialização do conhecimento de forma expressiva e qualitativa. 
10º - A universidade, assim como outras instituições de ensino superior, precisa ir além dos grandes centros, atentando para a necessidade de se reduzirem as desigualdades sociais e regionais. Nesse sentido, enalteço as ações e propostas do Governo federal de expansão da sua rede universitária e do sistema de educação profissional e tecnológica a regiões interioranas do País.

CECITEC e interiorização universitária

Senhoras e senhores: Este último ponto abordado destaca a importância da interiorização universitária. No caso cearense, tal processo construiu-se, a partir de investimentos feitos pelo sistema público estadual de universidades, especialmente através da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Desse modo, a partir de sua criação (em 1975), seis unidades acadêmicas, além de Campi Avançados, com sede fora da Capital, foram implantados e/ou incorporados à sua estrutura(9)
O nosso CECITEC é fruto da missão de interiorizar o saber que a UECE tomou para si, especialmente com a omissão da Universidade Federal do Ceará. Mas, necessário se faz acrescentar que o CECITEC, fundado em 1995, é signatário de um projeto de gestão que inseriu o fortalecimento da expansão universitária, além-Fortaleza, como meta prioritária. Falo, portanto, do reitorado do saudoso Paulo de Melo Jorge Filho (professor Paulo Petrola) [1992-96], que tinha convicção técnica e política da importância do processo de interiorização acadêmica, como indutor do desenvolvimento microrregional. Em sintonia com o pensamento de Petrola, a professora Moema Cartibani (da Universidade Estadual de Santa Cruz/UESC, situada no interior baiano) destaca que: “Quando instalada em determinada região, a instituição universitária ganha contornos socioespaciais pela incorporação do contexto local (econômico, político, cultural e histórico) nas funções que exerce. Nesse movimento, assume importância singular na dinâmica dos processos de desenvolvimento relacionados a questões específicas dos diferentes espaços regionais”(10).
O CECITEC foi planejado e implantado com a visão administrativa e a consciência política de seu papel estratégico, no contexto de Tauá e do Sertão dos Inhamuns. Para tanto, houve uma combinação entre o compromisso institucional, a participação da sociedade, os valores universitários e as demandas microrregionais.
Magnífico Reitor, senhoras e senhores: Se recorrermos a documentos deste Centro (quer sejam os relatórios escritos, os registros diversos de atividades, as fontes iconográficas, dentre outros), se recorrermos a artigos e monografias de graduação que abordam a temática em pauta, ou se recorrermos diretamente à sociedade local, saberemos que, não obstante às inúmeras dificuldades, o CECITEC foi alicerçado pelo esforço permanente de integração e participação social; pelo respeito aos colegiados internos; pela liderança em torno da criação de agendas estratégicas e de encaminhamento de questões emergenciais; pelo planejamento numa perspectiva de crescimento e consolidação; pelo esforço de integração do ensino com atividades extensionistas e de iniciação científica; pela competência acadêmica, revelada em sucessivas avaliações favoráveis, inclusive com conceito máximo, do Ministério da Educação; pela socialização do conhecimento, por intermédio de inúmeras atividades extensionistas, considerando nossa vocação; pela interssetorialização; pelas parcerias institucionais; pelo respeito a todos os que fazem e/ou faziam esta Unidade, em meio ao espírito plural – que é próprio da universidade;  pela valorização da cultura popular; e, pelo fato de nos instituirmos como um espaço essencialmente das discussões públicas, com um grande número de seminários, debates e conferências, em torno de várias temáticas, aqui realizados em sua fase inicial.
Concordo plenamente com o pensamento do professor e senador Cristovam Buarque, ao afirmar que a universidade “não pode mais ficar isolada” e que precisa “aproximar-se de quem está do lado, de quem ela não vê, dos pobres perto do campus(11). E, com efeito, compreendo, com a serenidade e a ousadia acadêmica que o CECITEC, na qualidade de unidade integrante de uma estrutura universitária e sediada no interior do Estado, não pode se furtar de exercer seu papel de liderança e de ocupar um lugar estratégico, no contexto desta microrregião.
Para tanto, precisamos avançar, de forma planejada, processual e articulada com a matriz institucional e com os anseios sociais, sem perder de vista os princípios universitários. Nesse sentido, é premissa básica que conheçamos a história de nossa gente, de nossos lugares e de nossas instituições, a começar pela história do CECITEC. Entendo que o avançar se constrói pelo conhecimento, do qual se geram as críticas, as alternativas e os novos projetos. E, nesse aspecto, e em respeito à cultura e à ciência, é condição sine qua non que nossa memória não seja destruída e que nossa história seja respeitada, comemorada e socializada, sob múltiplos matizes e diferentes visões. A propósito, destaco que este Centro, tão significante para Tauá, para os Inhamuns e para todos nós, completou 12 anos de fundação, no último 19 de junho [em 2007].

Considerações finais

Caras e caros concludentes: Já tive a honra de ser escolhido por outras turmas de concludentes, na qualidade de orador docente. Mas, esta delegação a mim confiada na data de hoje, foi especialmente tocante. Isso porque nesta caminhada universitária, partilhamos de momentos, ora comemorativos, ora reflexivos, ora replicantes, ora decepcionantes. Mas, vocês, fazendo jus ao espírito plural e à vocação democrática da instituição universitária, não fizeram do silêncio e da omissão a marca de suas vidas acadêmicas. De fato, a denominação da turma de Pedagogia de “Consciência para ter coragem” foi bastante oportuna. Aliás, em torno das categorias “consciência” e “coragem” há sempre uma recíproca verdadeira. Além disso, a homenagem das turmas de Ciências, Ciências Biológicas e Química ao nosso aluno José Kennedy de Carvalho Lima, falecido prematuramente [em 2007], é por demais justa e digna de reconhecimento.
Senhoras e senhores: Como é do conhecimento de todas e de todos, estou no momento, exercendo a missão de coordenar políticas municipais de ciência, tecnologia e empreendedorismo, a mim confiada pela senhora prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar. Aproveitando este ensejo, em seu nome, anuncio que na próxima semana, iniciaremos a construção de um quiosque digital, nas dependências deste Campus. Os quiosques, já implantados em outros três pontos estratégicos da sede municipal, integram o programa Cidade Digital de Tauá(12) e contam com quatro computadores cada, possibilitando o acesso gratuito à internet. Compreendo, assim, que essa parceria proposta pela Prefeitura local vem ao encontro da necessidade de fortalecermos o conhecimento e de integrarmos a instituição universitária a tecnologias da comunicação e informação.
Parabéns caras e caros concludentes(13). Muito obrigado pelo convívio e pelo aprendizado que vocês nos proporcionaram. Que Deus lhes proteja. Muito obrigado!

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)  Cf. LIMA, J. A. V. A natureza singular da instituição universitária. In: ______. Gestão e autonomia universitária: a experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p. 29-73.
(2)  A 1ª Lei Nacional de Diretrizes e Bases a contemplar todos os graus de ensino foi a de nº 4.024, promulgada em 1961. (Cf. ROMANELLI, O. O. História da Educação no Brasil. 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 171 et seq.).
(3)  Os princípios universitários são destacados no primeiro discurso deste livro.
(4)  SANTOS, M. A Universidade: da internacionalidade à universalidade. Rio de Janeiro, 24 set. 1999. (Discurso proferido na UFRJ).
(5)  O projeto de Lei nº 7.200 foi apresentado, pelo Poder Executivo, à Câmara dos Deputados, em 12 de junho de 2006. Referido PL: “Estabelece normas gerais da educação superior, regula a educação superior no sistema federal de ensino, altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996; 8.958, de 20 de dezembro de 1994; 9.504, de 30 de setembro de 1997; 9.532, de 10 de dezembro de 1997; 9.870, de 23 de novembro de 1999; e dá outras providências” (Cf. http://www.camara.gov.br/sileg/prop_detalhe.asp?id=327390. Acesso em: 13 jul. 2010).
(6)  Após a tramitação dos projetos de Lei nº 73/09 e nº 180/08, de autoria da deputada Nice Lobão (DEM/MA) e de sua aprovação final no Senado, em agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.711, que reserva 50% das matrículas por curso e turno, nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia, a estudantes provenientes, integralmente, do ensino médio público. De acordo com a citada Lei, no âmbito da cota de 50% das vagas, será considerado o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas, conforme o último censo demográfico do IBGE. 
(7)  PAULO NETTO, J. Reforma do Estado e impactos no ensino superior. Temporalis, Brasília, v. 1, n. 1, jan./jul. 2000. p. 26.
(8)  CHAUÍ, M. Uma aula a ser guardada, histórica. Entrevista concedida a Caros Amigos, São Paulo, n. 3, abr. 2001. p. 11.
(9)  Cf. LIMA, J. A. V. Op. cit. p. 103-109.
(10)               CARTIBANI, M. Universidade e Região: O papel das universidades estaduais da Bahia. In: XV Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste. São Luís: UFMA, 2003. p. 3-4.
(11)               BUARQUE, C. Discurso... Brasília: Assessoria de Comunicação Social do MEC, 2003.
(12)               O programa Cidade Digital de Tauá foi implantado, em parceria com o Ministério das Comunicações, no segundo semestre de 2006. Dentre um conjunto de estrutura e ações integradas, destaco: Centro de Desenvolvimento Tecnológico e Científico; provedor de internet; Sala de videoconferência e formação a distância; Centro de capacitação tecnológica (CCT); CCT’s escolares; quiosques digitais; TauáNet móvel; TeleSaudade; Centro de processamento de dados; Agente comunitário de saúde digital.
(13)               Os concludentes da referida solenidade são os seguintes: curso de Ciências Biológicas – Elaine Cristina de Sena Amorim, Glória Fernandes Lima e João Gláucio Siqueira Bastos Mota; curso de Pedagogia – Antônio Moreira Cavalcante, Damião Alves de Oliveira, Evilênia Oliveira Gaspar, Fabiana Pompílio de Matos, Francisco Anteciano Barreto de Lima, Francisco Haroldo Gonçalves, Francisco Hélio Damião, Gleidivany Marques de Sousa, Isabel Maria da Franca, Janaína Feitosa Silva, Kayanne Bezerra de Oliveira e Silva, Liduíno de Castro Fontenele, Luana Cavalcante Carvalho, Luiz Auci Oliveira Sousa, Manoel Siqueira de Sousa, Márcia Maria Noronha Lima, Maria Gerlanne de Souza, Maria Guiomar Bezerra Calaça, Marinete Moura Mota, Michel Alves Loiola, Silas Alves Siqueira e Yonara Mota de Assis Castro; curso de Química – Francisco Edivaldo Fernandes Teixeira e Jessé Alves de Araújo.

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