sexta-feira, 14 de março de 2014

DIA DO MUNICÍPIO DE TAUÁ | Professor João Álcimo

DIA DO MUNICÍPIO DE TAUÁ

 

(Discurso proferido na Academia Tauaense de Letras, pelo acadêmico João Álcimo Viana Lima, em 19/01/2008).

Há uma diversidade de alternativas para se eleger uma efeméride como marco histórico comemorativo de um Município, de um Estado e de um País. Nas Américas, e em especial, no Brasil, a escolha dessas datas tem se voltado para feitos que marcam a dominação branca, mormente no que se refere à afirmação de autonomia político-administrativa.
Em se tratando de poder local, a história política brasileira, desde o Período Colonial, registra a criação de municípios, cuja sede do poder, simbolizada com a edificação de um pelourinho, a presença de uma Igreja e a instalação da Câmara Municipal, recebia a denominação de vila. No caso específico da capitania cearense, após a expulsão dos holandeses, em 1656, a sua subordinação administrativa, antes vinculada à capitania do Maranhão e Grão-Pará, passou à capitania de Pernambuco, permanecendo até 1799, quando o “Siará” ascendeu à capitania de primeira ordem[1].
Nesse contexto, em 22 de julho de 1776, o Governador pernambucano estabeleceu que os povoados com mais de 50 fogos (residências) poderiam ser elevados à categoria de vila. Desse modo, Quixeramobim, Sobral, São Bernardo do Governador (Russas) e Tauá preenchiam os requisitos exigidos para essa conquista político-administrativa[2]. Malgrado, uma conjuntura de dependência interna e externa, tal feito apontava a emancipação e maior prestígio no contexto da Capitania. Todavia, à exceção de Sobral, a elevação dessas povoações a vilas não se concretizou de imediato. Vejamos: Quixeramobim elevou-se em 1789; Russas, em 1801; e, Tauá, mais tardiamente, em 3 de maio de 1802, passando a ser denominada de Vila de São João do Príncipe.
Em termos de efemérides no contexto da assunção de status mais relevantes, destacam-se a data de criação da vila, por meio de portaria governamental; a data da instalação da vila, com a presença de autoridades da Capitania/Província; e a data de publicação de decreto, de aprovação de projeto de lei e/ou similares para elevação à categoria de cidade. Com efeito, não há consenso em termos de se convencionar o “Dia do Município”. Tomando como exemplo, as 18 circunscrições administrativas existentes na província cearense em 1823, veremos o seguinte[3]:

No DE ORDEM
NOME ATUAL
DATA DA CRIAÇÃO DA VILA
DATA DE INSTALA-ÇÃO DA VILA
DATA DE ELEVAÇÃO À CIDADE
DATA COMEMO-RATIVA
01
       Aquiraz
13/02/1699
09/05/1713
27/07/1915
13/02
02
Aracati
11/04/1747
10/12/1748
25/10/1842
25/10
03
Baturité
06/08/1763
31/03/1764
09/08/1858
09/08
04
Caucaia
05/02/1759
15/10/1759
20/12/1938
15/10
05
Crato
16/12/1762
21/06/1764
17/10/1853
21/06
06
Fortaleza
Março/1725
13/04/1726
18/03/1823
13/04
07
Granja
27/06/1776
17/10/1776
03/11/1864
03/11
08
Guaraciaba do Norte
12/05/1791
27/09/1796
20/12/1938
26/08
09
Icó
07/10/1735
04/05/1738
21/10/1842
07/10
10
Itapipoca
03/02/1823
03/11/1823
31/08/1915
31/08
11
Jardim
30/08/1814
03/01/1816
13/09/1879
03/01
12
Jucás
03/02/1823
17/10/1823
20/10/1938
17/10
13
Lavras da Mangabeira
20/05/1816
09/11/1818
20/08/1884
20/08
14
Quixeramobim
20/02/1789
13/06/1789
14/08/1856
14/08
15
Russas
16/05/1799
06/08/1801
09/08/1856
06/08
16
Sobral
14/11/1772
15/07/1773
12/01/1841
15/07
17
Tauá
04/02/1801
03/05/1802
02/08/1929
02/08
18
Viçosa do Ceará
08/05/1758
07/07/1759
14/08/1872
14/08

Constata-se, portanto, que das vilas cearenses existentes em 1823, 2 comemoram o Dia do Município na data de criação da vila, 7 na data de instalação da vila, 8 na data de elevação à cidade e 1 (Guaraciaba do Norte) na data em que a vila foi transferida para Ipu Grande, em 26 de agosto de 1840. Ressalte-se que além de Guaraciaba do Norte, Aquiraz e Jucás registraram “idas” e “vindas”, tendo suas sedes administravas em determinado(s) período(s) reduzidas à condição de povoações. Observa-se, também, que das quatro povoações que atingiram o critério estabelecido em 1776, Tauá, em que pese ao fato de nunca ter perdido sua condição de Vila, foi quem teve o maior intervalo entre a elevação da Vila à categoria de Cidade, contabilizando um total de 127 anos, contra 68 anos de Sobral, 67 anos de Quixeramobim e 55 anos de Russas.
A partir da emancipação política brasileira, o status de civilidade e maior poder conferido à cidade ensejou a arregimentação de forças locais para a superação do estágio de vilas, condição adquirida graças à mensuração dos “fogos de vilões”. Sob essa concepção, D. Pedro I, em 1823, decretou que todas as vilas-sede de província passariam à condição de cidade, como foi o caso de Fortaleza[4]. Em termos de representação política, a partir de 1828, Maria do Carmo Ribeiro Araújo destaca que “compunham as câmaras municipais das cidades de nove membros e as das vilas de sete”[5]. Todavia, uma jurisdição cuja sede tinha a nomenclatura de vila também possuía sua estrutura administrativa, sendo o capitão-mor (normalmente, um potentado e membro da Câmara Municipal) durante o Brasil Colônia e o Brasil Monárquico e o intendente a partir da República, os seus governantes principais[6]. Atualmente, todas as sedes municipais do Brasil são denominadas de cidades, enquanto todas as sedes de distrito são denominadas de vilas. Deste modo, quando um distrito se emancipa, a sede do novo município passa automaticamente à condição de cidade.
A definição do dia 2 de agosto de 1929, data em que a sede de São João dos Inhamuns (denominação que substituiu a anterior, em face de Decreto do Presidente do Estado, em 2 de dezembro de 1892) foi elevada à cidade e teve seu nome restabelecido para Tauá, como marco político-administrativo tem contribuído para o esquecimento da importância que este Município representou no contexto da história cearense, sendo uma de suas primeiras vilas. Neste sentido, a comemorada jovialidade tauaense no cenário estadual contrasta com sua posição de signatário nas emancipações locais ainda nos idos do Período Colonial.
Não consideramos justo, do ponto de vista histórico e cultural, que Tauá, em 2008, comemore apenas 79 anos. Ora, serão 79 anos da Cidade (alusão à sede administrativa), mas serão 206 anos de emancipação, data em que a povoação tauaense foi erigida à Vila (também, sede administrativa), mais precisamente no dia 3 de maio, quando o Ouvidor Geral, Gregório José da Silva Coutinho, em nome do Governador da capitania do “Siará”, Bernardo Manoel de Vasconcellos, realizou a sua instalação com o nome de São João do Príncipe, separando-a da Vila de Icó. Para o cargo de capitão-mor (chefe do executivo municipal), foi designado o fazendeiro José Alves Feitosa. O referido ato de instalação foi precedido da Portaria Governamental de criação (04/02/1801) e do Edital do Ouvidor Geral (20/04/1802)[7].
À época, São João do Príncipe (Tauá) absorveu em sua área geográfica 16 dos atuais municípios cearenses: Aiuaba, Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Arneiroz, Assaré, Campos Sales, Catarina, Farias Brito, Iguatu, Jucás, Mombaça, Parambu, Pedra Branca, Potengi e Saboeiro[8], além de Cococi.
Convém destacar que no plano religioso, São João do Príncipe, de início, absorveu as freguesias (paróquias) de Nossa Senhora da Paz, de Arneiroz[9] e de Nossa Senhora do Monte do Carmo, de São Mateus (Jucás)[10]. Contudo, em 17 de agosto de 1832 foi criada a freguesia de Nossa Senhora do Rosário, na Vila de São João do Príncipe, desmembrada da povoação de Arneiroz[11].
Diante do exposto e considerando que há um sentimento de inquietação e indagação acerca da idade deste Município, estamos propondo que esta Academia de Letras encaminhe aos Poderes Executivo e Legislativo de Tauá um requerimento de alteração, a partir de 2008, de nosso Dia Comemorativo, estabelecendo-se a data de 3 de maio, em alusão à elevação da então povoação de Tauá à condição de Vila no ano de 1802.
Muito Obrigado!

NOTA FINAL: Após esse discurso, deflagrou-se um movimento para que o dia 3 de maio de 1802 fosse constituído oficialmente como o marco comemorativo de emancipação de Tauá. Com efeito, em uma assembleia pública foi aprovada a alteração da data. Logo em seguida, a prefeita Patrícia Aguiar encaminhou projeto de Lei à Câmara de Vereadores a esse respeito, que foi aprovado por unanimidade. A Lei nº 1.542, de 26/3/2008, definiu em seu Artigo 1º: "Fica estabelecida alteração da data da comemoração da emancipação política de Tauá, passando do dia 02 de agosto de 1927 para 03 de maio de 1802".


REFERÊNCIAS


[1] Cf. FARIAS, Airton de. História da Sociedade Cearense. Fortaleza: Livro Técnico, 2004. p. 92.
[2] Cf. MOTA, Aroldo. História Política de Tauá. Fortaleza: ABC, 2002. p. 11.
[3] Cf. os sites: <http//:www.ceara.com.br>; <http//:www.secult.ce.gov.br/calendario>; <http//:www.aprece.org.br>. Acessos em: 18 jan. 2008.
[4] Cf. STUDART, Barão. Datas e factos para a História do Ceará. Edição fac-similiar. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001. Tomo 1, p. 5-6.
[5] ARAÚJO, Maria do Carmo Ribeiro. O poder local no Ceará. In: Souza, Simone de (Coord.). História do Ceará. Fortaleza: UFC; Fund. Demócrito Rocha; Stylus Comunicações, 1989. p. 110.
[6] Aroldo Mota esclarece que: “De 1889 até 1925, os administradores municipais eram nomeados pelos Presidentes da Província do Ceará entre os vereadores eleitos diretamente pelo povo; de 1925 até outubro de 1930, passaram a ser eleitos pelo povo; de 1930 até 1936, nomeados pelos Interventores dos Estados; 1936 houve nova eleição com a posse frustrada pelo golpe de 1937; de 1937 até 1947, nomeados pelos Interventores; de 1947 até os dias atuais, eleitos pelo povo”. (Op. Cit, p. 63).
[7] Cf. Ibid. (p. 11-22); FREITAS, Antonio Gomes de. Inhamuns (Terra e Homens). Fortaleza: Henriqueta Galeno, 1972. p. 64-65..
[8] Cf. FREITAS (Op. Cit., p. 66-67).
[9] C. FEITOSA, Aécio. Arneiroz: Passado e presente. Canindé, CE: Gráfica Canindé, 2000. p. 13.
[10] Cf. MOTA. Op. Cit. (p. 19).
[11] Cf. FREITAS (Op. Cit., p. 73).


Quadro que retrata a emancipação política de Tauá, pintado por Afonso Lopes,
na década de 1960, a pedido do então prefeito Júlio Rêgo.






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