DIA DO MUNICÍPIO DE TAUÁ
(Discurso proferido
na Academia Tauaense de Letras, pelo acadêmico João Álcimo Viana Lima, em
19/01/2008).
Há uma diversidade de
alternativas para se eleger uma efeméride como marco histórico comemorativo de
um Município, de um Estado e de um País. Nas Américas, e em especial, no
Brasil, a escolha dessas datas tem se voltado para feitos que marcam a
dominação branca, mormente no que se refere à afirmação de autonomia
político-administrativa.
Em se tratando de
poder local, a história política brasileira, desde o Período Colonial, registra
a criação de municípios, cuja sede do poder, simbolizada com a edificação de um
pelourinho, a presença de uma Igreja e a instalação da Câmara Municipal,
recebia a denominação de vila. No caso específico da capitania cearense, após a
expulsão dos holandeses, em 1656, a sua subordinação administrativa, antes
vinculada à capitania do Maranhão e Grão-Pará, passou à capitania de
Pernambuco, permanecendo até 1799, quando o “Siará” ascendeu à capitania de primeira
ordem[1].
Nesse contexto, em 22
de julho de 1776, o Governador pernambucano estabeleceu que os povoados com
mais de 50 fogos (residências) poderiam ser elevados à categoria de vila. Desse
modo, Quixeramobim, Sobral, São Bernardo do Governador (Russas) e Tauá
preenchiam os requisitos exigidos para essa conquista político-administrativa[2]. Malgrado, uma conjuntura
de dependência interna e externa, tal feito apontava a emancipação e maior
prestígio no contexto da Capitania. Todavia, à exceção de Sobral, a elevação
dessas povoações a vilas não se concretizou de imediato. Vejamos: Quixeramobim elevou-se
em 1789; Russas, em 1801; e, Tauá, mais tardiamente, em 3 de maio de 1802,
passando a ser denominada de Vila de São João do Príncipe.
Em termos de efemérides
no contexto da assunção de status mais
relevantes, destacam-se a data de criação da vila, por meio de portaria governamental;
a data da instalação da vila, com a presença de autoridades da
Capitania/Província; e a data de publicação de decreto, de aprovação de projeto
de lei e/ou similares para elevação à categoria de cidade. Com efeito, não há
consenso em termos de se convencionar o “Dia do Município”. Tomando como
exemplo, as 18 circunscrições administrativas existentes na província cearense
em 1823, veremos o seguinte[3]:
No DE ORDEM
|
NOME ATUAL
|
DATA DA CRIAÇÃO DA VILA
|
DATA DE INSTALA-ÇÃO DA VILA
|
DATA DE ELEVAÇÃO À CIDADE
|
DATA COMEMO-RATIVA
|
01
|
Aquiraz
|
13/02/1699
|
09/05/1713
|
27/07/1915
|
13/02
|
02
|
Aracati
|
11/04/1747
|
10/12/1748
|
25/10/1842
|
25/10
|
03
|
Baturité
|
06/08/1763
|
31/03/1764
|
09/08/1858
|
09/08
|
04
|
Caucaia
|
05/02/1759
|
15/10/1759
|
20/12/1938
|
15/10
|
05
|
Crato
|
16/12/1762
|
21/06/1764
|
17/10/1853
|
21/06
|
06
|
Fortaleza
|
Março/1725
|
13/04/1726
|
18/03/1823
|
13/04
|
07
|
Granja
|
27/06/1776
|
17/10/1776
|
03/11/1864
|
03/11
|
08
|
Guaraciaba do Norte
|
12/05/1791
|
27/09/1796
|
20/12/1938
|
26/08
|
09
|
Icó
|
07/10/1735
|
04/05/1738
|
21/10/1842
|
07/10
|
10
|
Itapipoca
|
03/02/1823
|
03/11/1823
|
31/08/1915
|
31/08
|
11
|
Jardim
|
30/08/1814
|
03/01/1816
|
13/09/1879
|
03/01
|
12
|
Jucás
|
03/02/1823
|
17/10/1823
|
20/10/1938
|
17/10
|
13
|
Lavras da Mangabeira
|
20/05/1816
|
09/11/1818
|
20/08/1884
|
20/08
|
14
|
Quixeramobim
|
20/02/1789
|
13/06/1789
|
14/08/1856
|
14/08
|
15
|
Russas
|
16/05/1799
|
06/08/1801
|
09/08/1856
|
06/08
|
16
|
Sobral
|
14/11/1772
|
15/07/1773
|
12/01/1841
|
15/07
|
17
|
Tauá
|
04/02/1801
|
03/05/1802
|
02/08/1929
|
02/08
|
18
|
Viçosa do Ceará
|
08/05/1758
|
07/07/1759
|
14/08/1872
|
14/08
|
Constata-se,
portanto, que das vilas cearenses existentes em 1823, 2 comemoram o Dia do
Município na data de criação da vila, 7 na data de instalação da vila, 8 na
data de elevação à cidade e 1 (Guaraciaba do Norte) na data em que a vila foi
transferida para Ipu Grande, em 26 de agosto de 1840. Ressalte-se que além de
Guaraciaba do Norte, Aquiraz e Jucás registraram “idas” e “vindas”, tendo suas
sedes administravas em determinado(s) período(s) reduzidas à condição de
povoações. Observa-se, também, que das quatro povoações que atingiram o
critério estabelecido em 1776, Tauá, em que pese ao fato de nunca ter perdido
sua condição de Vila, foi quem teve o maior intervalo entre a elevação da Vila
à categoria de Cidade, contabilizando um total de 127 anos, contra 68 anos de
Sobral, 67 anos de Quixeramobim e 55 anos de Russas.
A partir da
emancipação política brasileira, o status
de civilidade e maior poder conferido à cidade ensejou a arregimentação de
forças locais para a superação do estágio de vilas, condição adquirida graças à
mensuração dos “fogos de vilões”. Sob essa concepção, D. Pedro I, em 1823,
decretou que todas as vilas-sede de província passariam à condição de cidade,
como foi o caso de Fortaleza[4]. Em termos de representação
política, a partir de 1828, Maria do Carmo Ribeiro Araújo destaca que
“compunham as câmaras municipais das cidades de nove membros e as das vilas de
sete”[5]. Todavia, uma jurisdição cuja
sede tinha a nomenclatura de vila também possuía sua estrutura administrativa, sendo
o capitão-mor (normalmente, um potentado e membro da Câmara Municipal) durante
o Brasil Colônia e o Brasil Monárquico e o intendente a partir da República, os
seus governantes principais[6]. Atualmente, todas as sedes
municipais do Brasil são denominadas de cidades, enquanto todas as sedes de
distrito são denominadas de vilas. Deste modo, quando um distrito se emancipa,
a sede do novo município passa automaticamente à condição de cidade.
A definição do dia 2
de agosto de 1929, data em que a sede de São João dos Inhamuns (denominação que
substituiu a anterior, em face de Decreto do Presidente do Estado, em 2 de
dezembro de 1892) foi elevada à cidade e teve seu nome restabelecido para Tauá,
como marco político-administrativo tem contribuído para o esquecimento da
importância que este Município representou no contexto da história cearense,
sendo uma de suas primeiras vilas. Neste sentido, a comemorada jovialidade
tauaense no cenário estadual contrasta com sua posição de signatário nas
emancipações locais ainda nos idos do Período Colonial.
Não consideramos
justo, do ponto de vista histórico e cultural, que Tauá, em 2008, comemore
apenas 79 anos. Ora, serão 79 anos da Cidade (alusão à sede administrativa),
mas serão 206 anos de emancipação, data em que a povoação tauaense foi erigida
à Vila (também, sede administrativa), mais precisamente no dia 3 de maio,
quando o Ouvidor Geral, Gregório José da Silva Coutinho, em nome do Governador
da capitania do “Siará”, Bernardo Manoel de Vasconcellos, realizou a sua
instalação com o nome de São João do Príncipe, separando-a da Vila de Icó. Para
o cargo de capitão-mor (chefe do executivo municipal), foi designado o
fazendeiro José Alves Feitosa. O referido ato de instalação foi precedido da
Portaria Governamental de criação (04/02/1801) e do Edital do Ouvidor Geral
(20/04/1802)[7].
À época, São João do
Príncipe (Tauá) absorveu em sua área geográfica 16 dos atuais municípios
cearenses: Aiuaba, Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Arneiroz, Assaré,
Campos Sales, Catarina, Farias Brito, Iguatu, Jucás, Mombaça, Parambu, Pedra
Branca, Potengi e Saboeiro[8], além de Cococi.
Convém destacar que
no plano religioso, São João do Príncipe, de início, absorveu as freguesias (paróquias)
de Nossa Senhora da Paz, de Arneiroz[9] e de Nossa Senhora do
Monte do Carmo, de São Mateus (Jucás)[10]. Contudo, em 17 de agosto
de 1832 foi criada a freguesia de Nossa Senhora do Rosário, na Vila de São João
do Príncipe, desmembrada da povoação de Arneiroz[11].
Diante do exposto e
considerando que há um sentimento de inquietação e indagação acerca da idade
deste Município, estamos propondo que esta Academia de Letras encaminhe aos
Poderes Executivo e Legislativo de Tauá um requerimento de alteração, a partir
de 2008, de nosso Dia Comemorativo, estabelecendo-se a data de 3 de maio, em
alusão à elevação da então povoação de Tauá à condição de Vila no ano de 1802.
Muito Obrigado!
NOTA FINAL: Após esse discurso, deflagrou-se um movimento para que o dia 3 de maio de 1802 fosse constituído oficialmente como o marco comemorativo de emancipação de Tauá. Com efeito, em uma assembleia pública foi aprovada a alteração da data. Logo em seguida, a prefeita Patrícia Aguiar encaminhou projeto de Lei à Câmara de Vereadores a esse respeito, que foi aprovado por unanimidade. A Lei nº 1.542, de 26/3/2008, definiu em seu Artigo 1º: "Fica estabelecida alteração da data da comemoração da emancipação política de Tauá, passando do dia 02 de agosto de 1927 para 03 de maio de 1802".
NOTA FINAL: Após esse discurso, deflagrou-se um movimento para que o dia 3 de maio de 1802 fosse constituído oficialmente como o marco comemorativo de emancipação de Tauá. Com efeito, em uma assembleia pública foi aprovada a alteração da data. Logo em seguida, a prefeita Patrícia Aguiar encaminhou projeto de Lei à Câmara de Vereadores a esse respeito, que foi aprovado por unanimidade. A Lei nº 1.542, de 26/3/2008, definiu em seu Artigo 1º: "Fica estabelecida alteração da data da comemoração da emancipação política de Tauá, passando do dia 02 de agosto de 1927 para 03 de maio de 1802".
REFERÊNCIAS
[1] Cf. FARIAS, Airton de. História da Sociedade Cearense. Fortaleza:
Livro Técnico, 2004. p. 92.
[2] Cf. MOTA, Aroldo. História Política de Tauá. Fortaleza:
ABC, 2002. p. 11.
[3] Cf. os sites: <http//:www.ceara.com.br>;
<http//:www.secult.ce.gov.br/calendario>;
<http//:www.aprece.org.br>. Acessos em: 18 jan. 2008.
[4] Cf. STUDART, Barão. Datas e factos para a História do Ceará. Edição
fac-similiar. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001. Tomo 1, p. 5-6.
[5] ARAÚJO, Maria do Carmo Ribeiro. O
poder local no Ceará. In: Souza, Simone de (Coord.). História do Ceará. Fortaleza: UFC; Fund. Demócrito Rocha; Stylus
Comunicações, 1989. p. 110.
[6] Aroldo Mota
esclarece que: “De 1889 até 1925, os administradores municipais eram nomeados
pelos Presidentes da Província do Ceará entre os vereadores eleitos diretamente
pelo povo; de 1925 até outubro de 1930, passaram a ser eleitos pelo povo; de
1930 até 1936, nomeados pelos Interventores dos Estados; 1936 houve nova
eleição com a posse frustrada pelo golpe de 1937; de 1937 até 1947, nomeados
pelos Interventores; de 1947 até os dias atuais, eleitos pelo povo”. (Op. Cit, p.
63).
[7] Cf. Ibid. (p. 11-22); FREITAS,
Antonio Gomes de. Inhamuns (Terra e
Homens). Fortaleza: Henriqueta Galeno, 1972. p. 64-65..
[8] Cf. FREITAS (Op. Cit., p. 66-67).
[9] C. FEITOSA, Aécio. Arneiroz: Passado e presente. Canindé,
CE: Gráfica Canindé, 2000. p. 13.
[10] Cf. MOTA. Op. Cit. (p. 19).
[11] Cf. FREITAS (Op. Cit., p. 73).
Quadro que retrata a emancipação política de Tauá, pintado por Afonso Lopes, na década de 1960, a pedido do então prefeito Júlio Rêgo. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário