sexta-feira, 14 de março de 2014

A UNIVERSIDADE E SEUS PRINCÍPIOS | Professor João Álcimo

A UNIVERSIDADE E SEUS PRINCÍPIOS



(Discurso proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau da UECE/CECITEC, em Tauá, em 27 de setembro de 2002).


O princípio da liderança

Em seus sete anos de história [de 1995 a 2002], o nosso Centro de Educação, Ciências e Tecnologia da Região dos Inhamuns (CECITEC) realiza sua sétima solenidade de colação de grau, perfazendo um total de 145 profissionais graduados em Ciências e Pedagogia. Considerando sua jovialidade, esses números associados à sua atuação, nas áreas de pós-graduação lato sensu e extensionista, denotam uma atuação razoavelmente com êxito no contexto do interior cearense.
Entretanto, a sociedade sempre espera mais ações, sob a liderança da universidade. E, por conseguinte, a presença de uma unidade da UECE, no Sertão dos Inhamuns, faz com que vislumbremos melhores perspectivas para a população microrregional, haja vista analisarmos e querermos a instituição universitária como um competente agente da modernidade e do desenvolvimento social. Estamos falando, portanto, do princípio da liderança, presente na universidade, desde sua gênese no século XII, que expressa a função estratégica concebida para si, nos diferentes períodos e em distintas sociedades e culturas, sob o respaldo de sua permanência histórica e da concepção de sua utilidade social. Dessa forma, temos a universidade como uma instituição necessária para o desenvolvimento de projetos nacionais, regionais e microrregionais e para o progresso do saber como valor universal.

Outros princípios basilares

O princípio da liderança associa-se a outros quatro princípios, que a meu ver constituem-se em valores basilares ao longo dos quase novecentos anos de existência da instituição universitária. Refiro-me aos princípios do universalismo, do pluralismo, da liberdade e da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Quanto ao seu caráter universalista, ressalto que se hodiernamente as universidades e os países respaldam-se, nacional e internacionalmente, pela publicação de trabalhos científicos e pela conquista de prêmios Nobel – por exemplo, o resultado de sua produção tem caráter público e é publicado, ganhando dimensão consoante o impacto que apresenta para a humanidade, em determinado momento histórico. A universidade é, portanto, uma "instituição transnacional"(1), onde não só através da pesquisa, mas também por intermédio da formação profissional e da difusão cultural, tende a transpor os limites nacionais, formando novos paradigmas e fomentando o campo epistemológico.
Os diversos ângulos proporcionados pela epistemologia e as múltiplas finalidades e lógicas dos diversos campos do saber, com suas respectivas ramificações, denotam o princípio do pluralismo, que foi disseminado, em que pesem as interferências religiosa e estatal registrada ao longo de sua trajetória. A universidade expandiu-se, portanto, com um espírito de inquérito e essencialmente leigo, diferindo do espírito doutrinal e pretensamente monolítico das ordens eclesiásticas e das ideologias político-partidárias(2). É considerando a multiplicidade de pensamentos e de saberes, a busca incessante por novas e diferentes conclusões, o anseio incontido pela réplica, a liberdade de comprovar/corroborar, negar e aperfeiçoar, que podemos almejá-la como produtiva e eficiente.
O princípio do pluralismo está, portanto, intimamente associado ao princípio da liberdade. Aliás, a própria origem da universidade é marcada pela sua pretensão de ser livre, notadamente do poder doutrinário da Igreja. Compreendo que uma universidade próspera requer o respeito dos organismos externos ao seu caráter universalista e à sua heterogeneidade e precisa de liberdade para o cumprimento dos desafios que lhe são imputados e inerentes à sua própria natureza. A intervenção externa, ferindo tão caro princípio, tem causado, historicamente, muitos estragos no desempenho das ações acadêmicas, desde a baixa produtividade, regida sob forte aparato doutrinário na perseguição de notáveis cientistas, mormente em regimes ditatoriais de diferentes matizes ideológicos: direita, centro e esquerda. Uma universidade próspera, porquanto, rege-se pela sua própria lógica, ou seja: acadêmica e científica.
O quinto princípio que aponto é o da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Ao contrário de se configurar num mito pernicioso à expansão do ensino superior, como frisou o ministro da Educação do Brasil, Paulo Renato de Sousa(3)(4) [no período de 1995 a 2002, nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso], referido princípio tende a reforçar a função estratégica da universidade e o seu tão requisitado compromisso de corresponder aos anseios e reclamos da sociedade. Embora eu tenha convicção de que a indissociabilidade deve ser assegurada sob o ponto de vista legal e que ensino, pesquisa e extensão devem ser fortalecidos através de programas institucionais próprios e/ou integrados de forma deliberada e consciente, a relação entre essas três áreas é perceptível nas atividades comuns a cada uma delas. Sou convicto, assim, que a missão de formar pessoas, a partir do que se conhece, integrada com a missão de produzir saber, a partir do que não se conhece e/ou do que se conhece parcialmente ou de forma não satisfatória, sendo estas relacionadas com a missão de socializar conhecimentos, oriundos da própria formação e da produção, cuja difusão proporciona indicadores institucionais, fortalece substancialmente a universidade, como instituição estratégica para o desenvolvimento socioeconômico.

laissez faire do MEC e a dimensão ética da educação

Entretanto, o posicionamento do Ministério da Educação, em franca sintonia com os postulados de instituições financeiras multilaterais, tem proporcionado nos últimos cinco anos [de 1997 a 2002], um verdadeiro laissez faire com relação ao ensino superior. Com ênfase no expansionismo e no aligeiramento e rompendo com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o setor privado foi atraído para a criação de faculdades integradas, faculdades e escolas superiores, desobrigado de manter uma estrutura universitária. Entendo que a formação de professores leigos e a ampliação do ensino superior correspondem a uma dívida histórica do poder público brasileiro. Entretanto, essa expansão não deve menosprezar os critérios de qualidade e de competência. Caso contrário, incorrer-se-á em outro erro grave, que é o desrespeito à dimensão ética da educação.
Diante do exposto, é justo que a sociedade cobre dos poderes públicos instituídos, a presença de uma universidade competente em suas hostes. No caso dos Inhamuns, é justo que cobremos um CECITEC com mais alternativas na área do ensino e mais atuante no âmbito da pesquisa e da extensão. Mas, em nome da função social da universidade, é fundamental que associemos os princípios que focalizamos neste discurso ao pretenso processo de expansão das atividades universitárias. Neste sentido, a população inhamunhense tem o direito de cobrar do CECITEC, bem como de outras entidades cujos serviços são de natureza pública, a observância de critérios qualitativos, em todas as suas atividades.
Em termos de justiça social, não basta que tenhamos a expansão do ensino superior. Faz-se necessário que tenhamos uma expansão sob o signo da competência e, acima de tudo, da ética acadêmica.
Parabéns concludentes(5) da Turma Patativa do Assaré(6). Muito obrigado!


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

(1)   Expressão utilizada por Jacques Marcovitch. Cf. MARCOVITCH, J. A Universidade (im)possível. 2. ed. São Paulo: Futura, 1998. p. 22.
(2)  Cf. MONROE, P. História da Educação. Tradução: Idel Becker. 19. ed. São Paulo: Nacional, 1988. p. 134. / PONCE, A. Educação e luta de classes. Tradução: José Severo de Camargo Correia. 13. ed. São Paulo: Cortez, 1994. p. 102.
(3)  FOLHA DE SÃO PAULO. Ministro quer vários tipos de Universidade. São Paulo, 31 ago. 1997. Caderno 3, p. 3.
(4)  Paulo Renato Souza faleceu em 23 de outubro de 2011, aos 65 anos.
(5)  Os formandos da referida solenidade são os seguintes: curso de Pedagogia - Antonia Jocilene Cavalcante A. Gonçalves, Geórgia Cláudia Cardoso Cidrão, Maria Lucineide Freire Almeida, Regina Stella Cardoso Bezerra, Umberto Gaspar de Oliveira e Zildene Moreira Alves.
(6) Como se nota, o poeta Patativa do Assaré (1909-2002) foi homenageado com o nome da Turma.

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