A UNIVERSIDADE E SEUS PRINCÍPIOS
(Discurso proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de
colação de grau da UECE/CECITEC, em Tauá, em 27 de setembro de 2002).
O princípio da liderança
Em seus sete anos de
história [de 1995 a 2002], o nosso Centro de Educação, Ciências e
Tecnologia da Região dos Inhamuns (CECITEC) realiza sua sétima solenidade de
colação de grau, perfazendo um total de 145 profissionais graduados em Ciências
e Pedagogia. Considerando sua jovialidade, esses números associados à sua
atuação, nas áreas de pós-graduação lato sensu e
extensionista, denotam uma atuação razoavelmente com êxito no contexto do
interior cearense.
Entretanto, a
sociedade sempre espera mais ações, sob a liderança da universidade. E, por
conseguinte, a presença de uma unidade da UECE, no Sertão dos Inhamuns, faz com
que vislumbremos melhores perspectivas para a população microrregional, haja
vista analisarmos e querermos a instituição universitária como um competente
agente da modernidade e do desenvolvimento social. Estamos falando, portanto,
do princípio da liderança, presente na universidade, desde sua gênese no século
XII, que expressa a função estratégica concebida para si, nos diferentes
períodos e em distintas sociedades e culturas, sob o respaldo de sua
permanência histórica e da concepção de sua utilidade social. Dessa forma,
temos a universidade como uma instituição necessária para o desenvolvimento de
projetos nacionais, regionais e microrregionais e para o progresso do saber
como valor universal.
Outros princípios
basilares
O princípio
da liderança associa-se a outros quatro princípios, que a meu ver
constituem-se em valores basilares ao longo dos quase novecentos anos de
existência da instituição universitária. Refiro-me aos princípios
do universalismo, do pluralismo, da liberdade e
da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Quanto ao seu
caráter universalista, ressalto que se hodiernamente as universidades e os
países respaldam-se, nacional e internacionalmente, pela publicação de
trabalhos científicos e pela conquista de prêmios Nobel – por exemplo, o
resultado de sua produção tem caráter público e é publicado, ganhando dimensão
consoante o impacto que apresenta para a humanidade, em determinado momento
histórico. A universidade é, portanto, uma "instituição
transnacional"(1), onde não só através da pesquisa, mas também
por intermédio da formação profissional e da difusão cultural, tende a transpor
os limites nacionais, formando novos paradigmas e fomentando o campo epistemológico.
Os diversos ângulos
proporcionados pela epistemologia e as múltiplas finalidades e lógicas dos
diversos campos do saber, com suas respectivas ramificações, denotam o
princípio do pluralismo, que foi disseminado, em que pesem as interferências
religiosa e estatal registrada ao longo de sua trajetória. A universidade
expandiu-se, portanto, com um espírito de inquérito e essencialmente leigo,
diferindo do espírito doutrinal e pretensamente monolítico das ordens
eclesiásticas e das ideologias político-partidárias(2). É
considerando a multiplicidade de pensamentos e de saberes, a busca incessante
por novas e diferentes conclusões, o anseio incontido pela réplica, a liberdade
de comprovar/corroborar, negar e aperfeiçoar, que podemos almejá-la como produtiva
e eficiente.
O princípio do
pluralismo está, portanto, intimamente associado ao princípio da liberdade.
Aliás, a própria origem da universidade é marcada pela sua pretensão de ser
livre, notadamente do poder doutrinário da Igreja. Compreendo que uma
universidade próspera requer o respeito dos organismos externos ao seu caráter
universalista e à sua heterogeneidade e precisa de liberdade para o cumprimento
dos desafios que lhe são imputados e inerentes à sua própria natureza. A
intervenção externa, ferindo tão caro princípio, tem causado, historicamente,
muitos estragos no desempenho das ações acadêmicas, desde a baixa
produtividade, regida sob forte aparato doutrinário na perseguição de notáveis
cientistas, mormente em regimes ditatoriais de diferentes matizes ideológicos:
direita, centro e esquerda. Uma universidade próspera, porquanto, rege-se pela
sua própria lógica, ou seja: acadêmica e científica.
O quinto princípio
que aponto é o da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Ao
contrário de se configurar num mito pernicioso à expansão do ensino superior,
como frisou o ministro da Educação do Brasil, Paulo Renato de Sousa(3)(4) [no
período de 1995 a 2002, nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso],
referido princípio tende a reforçar a função estratégica da universidade e o
seu tão requisitado compromisso de corresponder aos anseios e reclamos da
sociedade. Embora eu tenha convicção de que a indissociabilidade deve ser
assegurada sob o ponto de vista legal e que ensino, pesquisa e extensão devem
ser fortalecidos através de programas institucionais próprios e/ou integrados
de forma deliberada e consciente, a relação entre essas três áreas é
perceptível nas atividades comuns a cada uma delas. Sou convicto, assim, que a
missão de formar pessoas, a partir do que se conhece, integrada com a missão de
produzir saber, a partir do que não se conhece e/ou do que se conhece
parcialmente ou de forma não satisfatória, sendo estas relacionadas com a
missão de socializar conhecimentos, oriundos da própria formação e da produção,
cuja difusão proporciona indicadores institucionais, fortalece substancialmente
a universidade, como instituição estratégica para o desenvolvimento
socioeconômico.
O laissez faire do MEC e a dimensão ética da educação
Entretanto, o
posicionamento do Ministério da Educação, em franca sintonia com os postulados
de instituições financeiras multilaterais, tem proporcionado nos últimos cinco
anos [de 1997 a 2002], um verdadeiro laissez faire com
relação ao ensino superior. Com ênfase no expansionismo e no aligeiramento e
rompendo com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o setor
privado foi atraído para a criação de faculdades integradas, faculdades e
escolas superiores, desobrigado de manter uma estrutura universitária. Entendo
que a formação de professores leigos e a ampliação do ensino superior
correspondem a uma dívida histórica do poder público brasileiro. Entretanto,
essa expansão não deve menosprezar os critérios de qualidade e de competência.
Caso contrário, incorrer-se-á em outro erro grave, que é o desrespeito à
dimensão ética da educação.
Diante do exposto, é
justo que a sociedade cobre dos poderes públicos instituídos, a presença de uma
universidade competente em suas hostes. No caso dos Inhamuns, é justo que
cobremos um CECITEC com mais alternativas na área do ensino e mais atuante no
âmbito da pesquisa e da extensão. Mas, em nome da função social da
universidade, é fundamental que associemos os princípios que focalizamos neste
discurso ao pretenso processo de expansão das atividades universitárias. Neste
sentido, a população inhamunhense tem o direito de cobrar do CECITEC, bem como
de outras entidades cujos serviços são de natureza pública, a observância de
critérios qualitativos, em todas as suas atividades.
Em termos de justiça
social, não basta que tenhamos a expansão do ensino superior. Faz-se necessário
que tenhamos uma expansão sob o signo da competência e, acima de tudo, da ética
acadêmica.
Parabéns concludentes(5) da
Turma Patativa do Assaré(6). Muito obrigado!
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
(1) Expressão utilizada por Jacques Marcovitch. Cf.
MARCOVITCH, J. A Universidade (im)possível. 2. ed. São Paulo:
Futura, 1998. p. 22.
(2) Cf. MONROE, P. História da Educação.
Tradução: Idel Becker. 19. ed. São Paulo: Nacional, 1988. p. 134. / PONCE,
A. Educação e luta de classes. Tradução: José Severo de
Camargo Correia. 13. ed. São Paulo: Cortez, 1994. p. 102.
(3) FOLHA DE SÃO PAULO. Ministro quer vários tipos de
Universidade. São Paulo, 31 ago. 1997. Caderno 3, p. 3.
(4) Paulo Renato Souza faleceu em 23 de outubro de 2011, aos
65 anos.
(5) Os formandos da referida solenidade são os
seguintes: curso de Pedagogia - Antonia Jocilene Cavalcante A.
Gonçalves, Geórgia Cláudia Cardoso Cidrão, Maria Lucineide Freire Almeida,
Regina Stella Cardoso Bezerra, Umberto Gaspar de Oliveira e Zildene Moreira
Alves.
(6) Como se nota, o poeta Patativa do Assaré (1909-2002) foi
homenageado com o nome da Turma.
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