PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA E VELOCIDADE TECNOLÓGICA: O CECITEC COMO INSTITUIÇÃO ESTRETÁGICA
(Discurso
proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau da UECE/CECITEC, em Tauá, em 04 de
dezembro de 2008).
Cinquenta anos em três momentos: das cartas de "Seu" Guerreiro ao CECITEC
Permitam-me fugir dos padrões habituais dos
discursos, para hipoteticamente, com base em cenários pesquisados e
relembrados, retornar ao tempo para depois estacionar nesta nobre solenidade e
acenar para alguns desafios atuais.
Sertão dos Inhamuns, cidade de Aiuaba. 1958; portanto,
há 50 anos.
Após uma noite de boemia, no famoso “Pavão Dourado”(1), o nosso
carteiro viajante prepara-se para mais uma longa jornada. Montado em seu
cavalo, aos seus 46 anos, “Seu” Guerreiro, cuidadosamente, organiza sua bagagem
(o malote do departamento de correios e telégrafos)(2). Sob sua
responsabilidade, estão muitas correspondências, que vão desde a arrazoados
saudosos de pais, mães e namoradas, que viram seus jovens queridos migrarem
para o sudeste do País, em meio a mais uma castigante seca, a quantias em
dinheiro, enviadas por algumas das poucas famílias abastadas do Município, que
têm filhos estudando no Seminário diocesano e Ginásio do Crato, no Liceu do
Ceará, na Universidade do Ceará e/ou na Universidade de Pernambuco.
O percurso de “Seu” Guerreiro é longo, mas de
grande necessidade e importância para as pessoas de seu município. Ele tem
consciência que está investido como portador de boas e más notícias. Talvez,
não tenha se apercebido, mas ele é o grande comunicador de sua gente. De Aiuaba
seguirá em direção a Saboeiro, Jucás e Cariús. Mas, dessa vez, por ordem de
Dona Branca (a chefe dos correios de Aiuaba), terá que se estender até a cidade
de Iguatu. As CE’s-176, 284, 371 e 375(3) nem sonham em ser
asfaltadas. O seu cavalo, companheiro de viagem, ficará estacionado na
propriedade de um amigo, no município de Jucás. De lá em diante, vencerá o
itinerário, como em muitas outras vezes, ora a pé, ora de carona em caminhões.
São 110 km, aproximadamente (quase 20 léguas), e cerca de uma semana entre ida
e retorno desse agricultor que se tornou um itinerante da esperança
Tauá, dezembro de 1995; portanto, há 13 anos. Inaugura-se o Núcleo
de Informática Prof. Paulo de Melo Jorge Filho (NUCLIPP), com seis
computadores, com processadores 386 e sistema operacional windows 95(4).
Ainda não há internet nesta cidade. A expectativa é enorme; afinal,
trata-se de um moderno equipamento público que se insere em uma nova realidade
marcada pelo avanço da tecnologia da informação, que de forma transversal
sinaliza com inovações, nos setores governamentais e não governamentais. Embora
timidamente, os órgãos públicos e as empresas tauaenses começam a investir na
compra de computadores. O CECITEC, por sinal, funcionando há seis meses, ainda tem
como referência uma máquina datilográfica eletrônica, que em lugar reservado,
na secretaria, está imponente a aguardar as digitações da Dolide, do Carlos, da
Ana e da Julinha(5).
Para uma instituição recém-criada e
comemorada como a mais importante da última década para o Sertão dos Inhamuns,
o CECITEC, com o Núcleo de Informática, afirma-se, na opinião pública, como
estratégico no contexto microrregional. No ato da inauguração, seis instrutores
selecionados, no âmbito das primeiras turmas de alunos, sob a coordenação das
professoras Marbênia, Geandra e Ivanete(6), anunciam que todas as 72
vagas para os cursos básicos de informática, nos três turnos, estão
preenchidas. Momento de regozijos e de satisfação para uma turma de jovens
professores e alunos, para a comunidade local e para o reitor fundador,
presente à solenidade, professor Petrola. Este, por sinal, anuncia que o
diretor do Centro de Estudos Sociais Aplicados, professor Francisco de Assis
Moura Araripe(7), coordenará a primeira etapa de nosso planejamento
estratégico, a ser realizada em fevereiro de 1996.
Senhoras e senhores: Retornando a dezembro de
2008, compreendo que este Centro vem contribuindo, de forma significativa, na
formação de profissionais, na socialização do conhecimento e na formulação de
ideias e qualificação dos serviços. No caso de Raimundo Santiago de Oliveira, o
“Seu” Guerreiro, esta unidade, por intermédio de um trabalho de monografia de
um concludente desta solenidade, conseguiu reconstituir a sua saga, com o
recurso metodológico da história oral(8).
De fato, em torno de sua figura, está a
grande importância que representou a função de carteiro, no interior do Nordeste,
até a década de 1970, quando os correios e as emissoras de rádio ainda eram os
principais veículos de comunicação. Agregado a esse valor sociocultural, o
carteiro de décadas passadas era, via de regra, um “viajante” que enfrentava a
carência de meios de transporte e a precariedade das estradas, uma espécie de
banco postal e homem de coragem e de confiança das autoridades.
O CECITEC e as diversas temáticas
Mas, para além da importância de sua
profissão, a história de “Seu” Guerreiro traz outras nuances que precisam ser
consideradas, sob uma leitura sociológica e política. Como negro, ele conseguiu
se afirmar como pessoa respeitada pela elite local – algo incomum na época.
Como testemunha de um período marcado por mandonismos locais, que agregavam
aspectos como milícias particulares e a valentia como símbolo da masculinidade,
“Seu” Guerreiro, aos 96 anos [em 2008],
é um arquivo vivo de nosso sertão.
Ressalto que muitas outras questões vêm sendo
estudadas, quer sejam nos trabalhos de término de curso, em projetos especiais,
em artigos científicos, em trabalhos de iniciação científica e em seminários.
Destaco que neste semestre [2008.2],
os cursos de Ciências Biológicas e Pedagogia, através de seus concludentes(9),
desenvolveram temáticas como meio ambiente, combustíveis alternativos,
piscicultura, reciclagem do lixo, desenvolvimento sustentável, culturas
agrícolas, sexualidade, docência e formação de professores, currículo, educação
e trabalho, avaliação, educação infantil, educação de jovens e adultos,
planejamento educacional, pedagogia empresarial, legislação educacional, arte e
educação, leitura e escrita, educação patrimonial e educação e inclusão social.
São trabalhos que representam a competência acadêmica e apresentam
considerações que sinalizam para uma perspectiva de aplicação.
Desse modo, a socialização desse conjunto
expressivo de produções acadêmicas precisa vir à tona, por meio de eventos a
serem protagonizados pelo próprio CECITEC. Isso aponta para a expansão e a
democratização do saber.
O CECITEC e as “velocidades”: conhecimento, cultura e tecnologia
Senhoras e senhores: Em 1995, quando de sua
implantação, o CECITEC era a única instituição de ensino superior presente no
Sertão dos Inhamuns. Eram poucos os profissionais graduados atuando no
magistério da educação básica. Hoje, a realidade é outra. Existem outras
instituições, de natureza privada ou de natureza pública, como o CEFET [atual IFCE] e a UFC, por meio de cursos
semipresenciais, em parceria com o MEC e Prefeitura, em Tauá. Além disso, uma
unidade do CEFET está em fase de construção, que a partir de 2010,
disponibilizará cursos profissionais e tecnológicos em níveis médio e superior(10).
Em meio a esse cenário, temos o desafio de
manter o CECITEC como instituição estratégica nos Inhamuns. Para tanto, é
imperioso que estejamos atentos aos anseios da sociedade e com a velocidade do
conhecimento; que preservemos o perfil de qualidade em nossas ações, que devem
se diversificar no ensino e para além do ensino, de forma planejada. É
imprescindível que os antigos computadores acompanhem a velocidade da inovação
tecnológica, no sentido de assegurarmos competência pedagógica e institucional
para ampliarmos quantitativa e qualitivamente os nossos serviços.
Mas, também é papel da universidade,
contribuir para a preservação da memória e para a valorização da cultura. Sendo
assim, os processadores dual core
4000, os monitores lcd’s, a internet banda larga wireless, as videoconferências, os celulares e suas inúmeras
funções e a telefonia voip não podem
desconsiderar e apagar da história as cartas do “Seu” Guerreiro, porque elas
representam o legado de um período que contribuiu com a formação da identidade
de um povo, que se renovou e se adaptou a mudanças.
Sem dúvidas, a velocidade da internet banda
larga é muito maior do que a marcha do cavalo de “Seu” Guerreiro ou de suas
próprias pernas. São velocidades diferentes, em tempos distintos, mas ambas
revestidas dos desafios sociais de seu tempo.
Caros e caras concludentes, parabéns a vocês
por este momento tão sublime e tão nobre, que sintetiza os esforços e as
competências individuais e todo um trabalho coletivo, que tem como símbolo e
ambiência, esta instituição estratégica para Tauá e o Sertão dos Inhamuns: o
CECITEC.
Boa sorte nos novos desafios que estão por
vir. Muito obrigado!
NOTA:
"Seu" Guerreiro faleceu em 17 de outubro de 2015, aos 103 anos.
NOTAS
E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) O Pavão Dourado era um famoso meretrício
localizado na cidade de Aiuaba.
(2) A propósito, cf.: BARBOSA, H. Carteiro
viajante é referência no sertão cearense. Diário do Nordeste, Fortaleza, 21
dez. 2008. Regional, p. 2. / LIMA, J. A. V. Referência histórica. Diário do
Nordeste, Fortaleza, 21 dez. 2008. Regional, p. 2.
(3) Trata-se de rodovias estaduais, que
ligam Aiuaba (município situado no Sertão dos Inhamuns) ao Centro Sul do Ceará.
(4) Cf. LIMA, J. A. V. UECE: um semestre
nos Inhamuns. O Povo, Fortaleza, 21 jan. 1996. Jornal do Leitor, p. 5. /
TRIBUNA DO CEARÁ. Uece informatiza Centro de Ciências em Tauá. Fortaleza, 8
fev. 1996. Caderno C, p. 18.
(5) Antonia Dolide Carlos Jataí, Carlos
Antonio Soares Mota, Ana Maria Bezerra Gomes Lopes e Júlia Ribeiro Feitosa Lima
(Julinha) foram os primeiros servidores técnico-administrativos do CECITEC (Cf.
ARAÚJO, A. A. O processo de criação do CECITEC no âmbito da política de
interiorização da Universidade Estadual do Ceará. Relatório de projeto de
Iniciação Científica – UECE/CECITEC. Tauá, CE, 2005. p. 63.
(6) As professoras Marbênia Gonçalves
Almeida Bastos, Geandra Cláudia Silva Santos e Maria Ivanete de Sousa
(aprovadas no primeiro concurso para docentes do CECITEC, em 1995) foram,
portanto, as primeiras coordenadoras do NUCLIPP.
(7) O professor Francisco de Assis Moura
Araripe foi diretor do CESA, de 1992 a 96.
(8) Cf. MOTA, T. A. “Seu” Guerreiro,
Carteiro viajante. História viva no imaginário popular de Aiuaba. 2008, 65f.
Monografia (Graduação em Pedagogia) – UECE/CECITEC, Tauá, CE, 2008.
(9) Os concludentes da referida solenidade
são os seguintes: curso de Ciências Biológicas – Adriano Rodrigues de Matos, Antônio
Robério Castro Silva, Fernanda Soares Bezerra, Francisca Izabel Alves Ferreira,
Ghyslaine Cristina Mota Salviano, Márcia Mikelly Vieira da Silva, Patrícia
Torquato de Araújo e Willemar Holanda Mota; curso de Pedagogia – Alexandre
Fernandes Torquato, Ana Paula Araújo Mota, Antônia Alisandra Araújo Braga, Antônia
Gerlândia Ferreira do Nascimento, Antônia Rosiane Alexandrino Mota, Antônia
Selma Rodrigues Torquato, Antônio Edvan Evangelista Nóbrega, Armando Setúbal de
Araújo Filho, Débora Gonçalves dos Santos, Débora Marques Moreira, Edney
Feitosa Alencar, Elda Izabel da Silva Araújo, Eridan Bezerra da Silva,
Francisca Alzilândia Cardoso dos Santos, Francisco Ailton Carlos Inácio,
Genilson Jairi Oliveira, José Martins Domingos, Luís Antônio Siqueira Mota,
Maria Evilázia Suriano da Silva, Maria Raquel Moreira Mota, Mariana Graziela de
Sousa, Micilene de Oliveira Castro, Nívia Soares Soares Andrade, Ramiro
Ferreira de Oliveira, Rosalice Gonçalves Cavalheiro, Sérgio Reis Barros
Rodrigues e Tarcísio Araújo Mota.
(10)
O
IFCE (antigo CEFET) foi inaugurado, em Tauá, em novembro de 2009. Em 2010,
foram ofertados os cursos iniciais, ou seja: Telemática (superior) e Gestão de
Agronegócios (técnico médio). Referidos cursos foram escolhidos após enquete no
site oficial da Prefeitura de Tauá (http://www.taua.ce.gov.br ) e a realização
de uma assembleia geral, realizada, em Tauá, em 3 de julho de 2009.
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