quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

SEU LUNGA: A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM POPLAR.

SEU LUNGA: A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM POPULAR


(João Álcimo Viana Lima, em novembro/2014)


Joaquim dos Santos Rodrigues, o Calunga (na boca de uma ex-vizinha de Caririaçu, onde ele nasceu), ou simplesmente e totalmente o Lunga (e mais tarde, seu Lunga), que se mudou para Juazeiro do Norte aos 16 anos, fez-se um dos personagens mais populares do País.

Nascido em 1928, foi casado durante 63 anos com dona Carmelina, com quem teve treze filhos. Seu Lunga carregou as marcas do sertanejo agricultor e proprietário campesino (embora tenha vivido no ambiente citadino desde a adolescência), do devoto de Padre Cícero (sua grande referência de fé) e da severidade na formação e condução da família, algo herdado de seus ascendentes. Feito comerciante, dedicou seu cotidiano, durante muitos anos, à labuta em sua loja, inicialmente de cereais, até chegar ao ramo de sucatas e variedades. Mas, não foi seu trabalho na agricultura e comércio que o tornaram famoso. Sua fama foi decorrente da pecha de “abusado”, “afobado”, “bruto”, “mal humorado” ou “ignorante”.

O curioso é que ele sempre negou essa condição, embora admitindo que não gostava de perguntas bobas. Foi da espontaneidade de pessoas do seu convívio que a fama de “bruto” lhe foi imputada e se multiplicou alhures, popularizando-se e sendo difundida por pessoas fora de seus contatos e de seu alcance. Na difusão do Lunga, como homem de tolerância zero, entrou em cena o sarcasmo, com todas as doses de excesso, criação e estilo caricatural. A esse respeito, seu Lunga sentia-se extremamente injustiçado e ofendido, pois os casos relatados em torno de si e que fundamentaram e edificaram sua fama, segundo ele, são todos inverídicos. 

O certo é que, paulatinamente, o rótulo de ser o homem zangado de Juazeiro do Norte evoluiu para o título de “o homem mais bruto do mundo”. O que se tratava de relato espontâneo, passou a ser deliberadamente pauta de inúmeras reportagens de rádios, jornais e tevês, tema de dezenas de folhetos de cordel, objeto de estudo de trabalhos de pesquisa, conteúdo de livros, inspiração de personagem cênico, fonte para publicidade e atração cultural e turística de sua cidade.

Ao seu modo, Lunga reagiu à fama, que lhe chegou sem que a esperasse ou a desejasse, roubando-lhe a tranquilidade. Em várias oportunidades, revelou-se cético à sua importância e pelo fato de ele ser motivo de tanto assédio para entrevistas e fotografias. Mas, creio que, em seus últimos anos de vida, ele já assimilava (pelo menos, em parte) sua notoriedade. A partir dela é que foi revelada outra de suas facetas, a capacidade poética, com mensagens inerentes às suas origens, aos seus valores e ao seu imaginário. Com efeito, o poeta popular Lunga falou de boi mandingueiro, destino, mulher bonita, pessoas idosas, pássaros e de sua microrregião natal, o Cariri.

Dependendo de como lhe era feita a abordagem, sua receptividade podia ser elogiável. A propósito, nas vezes em que estive com alunos universitários, em aulas de campo, em Juazeiro do Norte, recebi solicitações para que, na terra do Padre Cícero, fôssemos ao encontro do seu Lunga. Na última vez, em dezembro de 2013, ele, ainda convalescente de uma cirurgia, atendeu-nos, na praça que fica defronte a sua residência, com muita cordialidade. Durante o encontro, valeram os vários cliques fotográficos.

Certamente, neste imenso Brasil, há outros “Lungas”, com dimensões psicossocial e cultural semelhantes às de Joaquim dos Santos Rodrigues. Contudo, por força de aspectos que fogem do padrão das razões objetivas, não ganharam o status de celebridade. O palco desse estrelato, seletivamente, ficou reservado para o seu Lunga do Cariri, com sua cearensidade e a despeito de seu imenso contragosto. 

Eu e seu Lunga.
Alunos de Pedagogia da UECE com seu Lunga.

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