“DESCONGELAMENTO” DAS UNIVERSIDADES E RETRAÇÃO DE RECURSOS
(Discurso
proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de lançamento do livro “Gestão e Autonomia Universitária:
a experiência da UECE”, em Tauá, em 17 de dezembro de 2003).
O
compromisso dos universitários do CECITEC/UECE
Inicialmente, enalteço a produção acadêmica
de nossos alunos de Pedagogia, que possibilitou o lançamento de mais um número
da revista “Construindo a História da Educação”(1). Referida
publicação evidencia o compromisso de nossos universitários, de fazerem
academia de forma séria, sinalizando para a competência. Sinto-me, portanto,
honrado em ter ministrado a disciplina “História da Educação” para essa turma
do 2° semestre de Pedagogia. Parabéns!
Três
registros acerca do livro
Com relação ao livro “Gestão e autonomia
universitária: a experiência da UECE”(2), tenho por obrigação fazer
alguns registros:
1° - A gênese desta obra está em minha
atuação como diretor deste Centro, em seus quatro anos iniciais de atividades,
ou seja, de 1995 a
1999. As funções administrativas conduziram-me a uma espécie de militância
política, que se alicerçou no propósito de estruturarmos e expandirmos as ações
do CECITEC. Não obstante as conquistas que podem ser destacadas, esse propósito
encontrou obstáculos, especialmente a partir da insuficiência de recursos
financeiros da Universidade Estadual do Ceará, nossa mantenedora. Em meio a
esse contexto, como gestor, procurei analisar as políticas de educação superior
emanadas do Governo federal e as nuances que implicam o sistema das
universidades públicas cearenses. O desafio de ser um estudioso da temática foi
deveras instigante. Por conseguinte, cursei especialização e mestrado em Gestão
Educacional.
2° - Tem responsabilidade e influência
capital sobre este livro, o planejamento estratégico, que realizamos no
CECITEC, de 26 a
28 de fevereiro de 1996, sob a coordenação do então diretor do Centro de
Estudos Sociais Aplicados, professor Francisco de Assis Moura Araripe, e da
professora Maria do Socorro Ferreira Osterne. Coube à professora Socorro, a
orientação dos procedimentos metodológicos e o referencial teórico que
orientaram nossos trabalhos. Seu texto, “O papel da Universidade Estadual como
suporte para o desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e gerencial do
Estado do Ceará(3)”, foi referência para pensarmos o CECITEC como
instituição estratégica para o desenvolvimento sustentável dos Inhamuns.
Destaco que me sensibilizou bastante o gesto da direção do CESA, a maior
unidade acadêmica da UECE, ao lado do Centro de Humanidades, a convite do então
reitor, professor Paulo Petrola, que permaneceu em Tauá, durante três dias,
trabalhando as ações do CECITEC, numa perspectiva de planejamento.
3° - Por uma questão de justiça, tenho que
destacar o compromisso acadêmico, a competência técnica e a postura ética de
minha orientadora de mestrado, exatamente a professora Socorro Osterne. Em
nenhum momento, o cargo de pró-reitora(4) comprometeu a sua função,
numa dissertação que investigava a gestão da UECE, incluindo o período em que
ela fez e faz parte da administração superior [de 1996 a 2004]. O resultado de nossa pesquisa apontou críticas,
corroboradas inclusive pela professora Socorro, ao modelo administrativo atual
da Universidade Estadual do Ceará. Fica o exemplo de que a crítica pode
construir; e feliz do gestor que tem a inteligência de absorvê-la e de
utilizá-la como um meio para o aprimoramento e/ou mudança de suas ações.
Universidades
públicas: “descongelamento” e retração de recursos
Após fazer esses registros, gostaria de
focalizar duas questões que estão incluídas no livro ora lançado: o
“descongelamento” das instituições universitárias e a retração vertiginosa na
transferência de recursos às universidades públicas.
Se nós formos comparar o documento “Educação
Superior na América Latina e no Caribe”(5), de autoria de Cláudio
Moura e Castro e Daniel Levy, consultores do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), com decretos e portarias do Ministério da Educação e
propostas de emendas constitucionais, no período de 1996 a 2002, constataremos
muitos pontos convergentes(6).
Esse termo “descongelamento” está expresso no
documento do BID(7), que, através de seus consultores, sentencia que
as universidades não se coadunam com a necessidade de expansão do ensino
superior, haja vista terem uma pesada estrutura, serem onerosas e conviverem em
constantes conflitos ideológicos e epistemológicos. Desse modo, sugere-se como
alternativa que o Governo federal adote medidas no sentido de possibilitar e
estimular a criação de instituições de ensino superior, especialmente de
natureza privada, e sem a missão histórica e o compromisso legal de uma universidade.
O que se torna irônico é que Cláudio Moura e Daniel Levy são conscientes de que
a maioria das instituições particulares de ensino superior apresentam uma
qualidade questionável; entretanto, entendem que essas são mais ágeis e se
adequam com mais facilidade às exigências mercadológicas. Ora, uma instituição
de ensino e, especialmente, uma universidade, não pode ser refém da lógica mercadológica.
Tal defesa fere frontalmente o papel quase milenar da universidade, por ser uma
instituição formadora de profissionais e produtora e difusora do saber, a
partir de uma postura replicante, contra-hegemônica e cidadã.
De fato, não se concebe que o Brasil possua
menos de 10% de jovens de 18 a
24 anos, frequentando cursos superiores, enquanto a Grã-Bretanha tem 32% e os
Estados Unidos 55%. Ficando no âmbito latino-americano, o Chile tem 21% e a
Argentina 40% de sua população, com título universitário, enquanto o Brasil só
possui 11% de seus habitantes formados na academia(8). Todavia, a
expansão do ensino universitário não pode e não poderia deixar de visualizar
como questões centrais, a qualidade da formação e o fortalecimento das
universidades públicas. Infelizmente, vem ocorrendo absolutamente o contrário
em nosso País.
Verifica-se, portanto, uma crise conjuntural
das universidades públicas brasileiras. Nessa última década, a retração dos
recursos vem se dando de forma acentuada e perversa. No plano estadual e,
especificamente, no caso da UECE, houve uma queda real de 25%, na transferência
de receitas, entre os anos 1999 e 2000. Outro ponto que agrava a capacidade de
investimento de nossa instituição é que, tomando o exemplo do exercício de
2000, 72% dos recursos a ela destinados foram utilizados para pagamento da rubrica
“Vencimentos e vantagens fixas de pessoal civil”(9). A proposta
orçamentária do Estado para 2004 é cada vez mais desoladora. No que tange à
União, o Governo reservou no orçamento de 2004, um valor inferior a 17% com
relação ao exercício de 2002 para as universidades públicas federais; ao passo
que cresceram em 25% as receitas direcionadas para o crédito educativo, que tem
como destino as instituições privadas(10). A insuficiência
financeira, nos processos da gestão de nossas universidades públicas, tem sido crucial
em desfavor do princípio da autonomia universitária, comprometendo, inclusive,
a dimensão didático-científica, que aparentemente tem seu exercício autônomo
resguardado, mas que em face da falta de recursos financeiros, depara-se com um
limite para criar, expandir, produzir, difundir e formar.
Agradecimentos
e dedicatória
Agradeço imensamente a presença de todos e de
todas vocês, nesta solenidade tão importante para mim. Agradeço a todos que
contribuíram para a publicação desta obra, de modo especial à Universidade
Estadual do Ceará, na pessoa do seu reitor, professor Francisco de Assis Moura
Araripe. Dedico esta obra, de modo bem especial, a duas pessoas. Mas, abro um
parêntese. Lulu Santos e Nelson Motta, na excepcional composição “Certas
Coisas”, afirmam que “cada voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer;
tudo o que cala fala mais alto ao coração”(11). Mesmo corroborando
os compositores citados e ciente de que não saberei exprimir com precisão o que
sinto e o que quero, dedico este livro, com todo meu amor, para Elizângela e
João Héricles.
Senhoras e senhores, amigas e amigos. Este
também é meu primeiro discurso, após retornar à direção do CECITEC(12).
Esta Unidade, que apesar de suas dificuldades, vem revelando para os Inhamuns,
para a UECE e para o sistema de educação superior, que é possível fazer um
trabalho com compromisso e competência.
Finalizo, dedicando esta solenidade ao inesquecível
Joaquim de Castro Feitosa [1915-2003].
Como falei em outras oportunidades, Dr. Feitosinha é uma grande referência
moral, cultural e política do Sertão dos Inhamuns; e, sem dúvidas, este evento
tem reflexo de sua vasta e importantíssima obra. Muito Obrigado!
NOTAS E REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
(1) LIMA, J. A. V. (Org.). Construindo a
História da Educação – Revista da UECE/CECITEC. TAUÁ, CE, n. 3, 2003, 24p.
(2) LIMA, J. A. V. Gestão e autonomia
universitária: A experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. 216p.
(3) OSTERNE, M. S. F. O papel da
Universidade Estadual como suporte para o desenvolvimento cultural, científico,
tecnológico e gerencial do Estado do Ceará. Fortaleza: UECE/CESA, 1995. (Texto
digitado).
(4) A professora Maria do Socorro Ferreira
Osterne foi pró-reitora de Planejamento da UECE, no período de 1996 a 2004.
(5) CASTRO, C. M.; LEVY, D. C. Educação
superior na América Latina e no Caribe: Um documento estratégico. Educação
Brasileira – Revista do CRUB, Brasília, v.19, n.39, p. 109-159, 2. sem. 1997.
(6) Cf., a propósito: FOLHA DE SÃO PAULO. Ministro
quer vários tipos de universidade. São Paulo, 31 ago. 1997. Caderno 3, p. 3.
(7) CASTRO; LEVY. Op. cit. p. 17.
(8) Cf. RISTOFF, D. A tríplice crise da
universidade brasileira. In: TRINDADE, H. (Org.). Universidade em ruína na
República dos Professores. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Porto Alegre: CIPEDE,
2000. p. 201-210.
(9) FUNECE. Departamento de Contabilidade
e Finanças. Balanço Financeiro (1999; 2000). Fortaleza, 2000. (Texto digitado).
(10)
Cf.
DOCUMENTO sobre gastos sociais revolta reitores de federais. Disponível em: http://estadao.com.br/educando/noticias/2003/nov/14/193.htm.
Acesso em: 24 out. 2003.
(11)
Disponível
em: http://letras.terra.com.br/lulu-santos/35063/.
Acesso em: 7 jan. 2010.
(12)
Em
3 de novembro de 2003, reassumi a função de diretor do CECITEC. Com o fim do
mandato do professor Francisco de Assis Moura Araripe, a meu pedido, conforme
consta no processo 04185976-6 (SPU), fui exonerado da referida função em 22 de
maio de 2004.
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