domingo, 26 de fevereiro de 2017

MARCHINHAS DE CARNAVAL.

MARCHINHAS DE CARNAVAL


Neste carnaval, relembro célebres marchinhas, que, com letras breves e excelentes ritmos, há várias gerações são ouvidas e cantadas. Celebrizaram-se e eternizaram-se!

Allah-la-ô”, de Haroldo Lobo e Nássara (1940), é um dos exemplos. Quem não conhece? "Allah-lá-ô, ô ô ô / Mas que calor, ô ô ô ô / Atravessamos o deserto do Saara / O sol estava quente / Queimou a nossa cara".

Outra que se eternizou como marchinha carnavalesca foi a música “Cachaça”, de Mirabeau Pinheiro, Lúcio de Castro e Heber Lobato, composta em 1953. "Você pensa que cachaça é água / Cachaça não é água não / Cachaça vem do alambique / E água vem do ribeirão".

Aurora”, de Mário Lago e Roberto Roberti (1940), é outra pérola: "Se você fosse sincera / Ô ô ô ô Aurora / Veja só que bom que era / Ô ô ô ô Aurora."

E a “Cabeleira do Zezé”, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal (1963)? Outra, eternizada. "Olha a cabeleira do Zezé / Será que ele é / Será que ele é."

Da grande Chiquinha Gonzaga (1899), temos “Ô abre alas”: Ô abre alas que eu quero passar / Ô abre alas que eu quero passar / Eu sou da lira não posso negar".

Jardineira”, de Benedito Lacerda e Humberto Porto (1938), é demais! "Ó jardineira por que estás tão triste / Mas o que foi que te aconteceu?".

Esta canto com meus filhos: “Ô balancê”, de Braguinha e Alberto Ribeiro (1936). "Ô balancê balancê / Quero dançar com você / Entra na roda morena pra ver".

Linda Morena”, de Lamartine Babo (1932): "Linda morena, morena / Morena que me faz penar / A lua cheia que tanto brilha / Não brilha tanto quanto o teu olhar".

Outra conhecida de todos nós: “Mamãe eu quero”, de Jararaca e Vicente Paiva (1936). “Mamãe eu quero, mamãe eu quero / Mamãe eu quero mamar / Dá a chupeta, dá a chupeta / Dá a chupeta pro bebê não chorar".

Me dá um dinheiro aí”, de Ivan Ferreira, Homero Ferreira e Glauco Ferreira (1959): "Ei, você aí! / Me dá um dinheiro aí / Me dá um dinheiro aí".

Concluo a citação de marchinhas, com “Saca-rolha”, de Zé da Zilda, Zilda do Zé e Waldir Machado (1953). “As águas vão rolar / Garrafa cheia eu não quero ver sobrar / Eu passo mão na saca saca saca rolha / E bebo até me afogar / Deixa as águas rolar”.

Na sequência: Mário Lago, Chiquinha Gonzaga e Benedito Lacerda.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

“DESCONGELAMENTO” DAS UNIVERSIDADES E RETRAÇÃO DE RECURSOS.

“DESCONGELAMENTO” DAS UNIVERSIDADES E RETRAÇÃO DE RECURSOS



(Discurso proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de lançamento do livro “Gestão e Autonomia Universitária: a experiência da UECE”, em Tauá, em 17 de dezembro de 2003).


O compromisso dos universitários do CECITEC/UECE
Inicialmente, enalteço a produção acadêmica de nossos alunos de Pedagogia, que possibilitou o lançamento de mais um número da revista “Construindo a História da Educação”(1). Referida publicação evidencia o compromisso de nossos universitários, de fazerem academia de forma séria, sinalizando para a competência. Sinto-me, portanto, honrado em ter ministrado a disciplina “História da Educação” para essa turma do 2° semestre de Pedagogia. Parabéns!

Três registros acerca do livro
Com relação ao livro “Gestão e autonomia universitária: a experiência da UECE”(2), tenho por obrigação fazer alguns registros:
1° - A gênese desta obra está em minha atuação como diretor deste Centro, em seus quatro anos iniciais de atividades, ou seja, de 1995 a 1999. As funções administrativas conduziram-me a uma espécie de militância política, que se alicerçou no propósito de estruturarmos e expandirmos as ações do CECITEC. Não obstante as conquistas que podem ser destacadas, esse propósito encontrou obstáculos, especialmente a partir da insuficiência de recursos financeiros da Universidade Estadual do Ceará, nossa mantenedora. Em meio a esse contexto, como gestor, procurei analisar as políticas de educação superior emanadas do Governo federal e as nuances que implicam o sistema das universidades públicas cearenses. O desafio de ser um estudioso da temática foi deveras instigante. Por conseguinte, cursei especialização e mestrado em Gestão Educacional.
2° - Tem responsabilidade e influência capital sobre este livro, o planejamento estratégico, que realizamos no CECITEC, de 26 a 28 de fevereiro de 1996, sob a coordenação do então diretor do Centro de Estudos Sociais Aplicados, professor Francisco de Assis Moura Araripe, e da professora Maria do Socorro Ferreira Osterne. Coube à professora Socorro, a orientação dos procedimentos metodológicos e o referencial teórico que orientaram nossos trabalhos. Seu texto, “O papel da Universidade Estadual como suporte para o desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e gerencial do Estado do Ceará(3)”, foi referência para pensarmos o CECITEC como instituição estratégica para o desenvolvimento sustentável dos Inhamuns. Destaco que me sensibilizou bastante o gesto da direção do CESA, a maior unidade acadêmica da UECE, ao lado do Centro de Humanidades, a convite do então reitor, professor Paulo Petrola, que permaneceu em Tauá, durante três dias, trabalhando as ações do CECITEC, numa perspectiva de planejamento.
3° - Por uma questão de justiça, tenho que destacar o compromisso acadêmico, a competência técnica e a postura ética de minha orientadora de mestrado, exatamente a professora Socorro Osterne. Em nenhum momento, o cargo de pró-reitora(4) comprometeu a sua função, numa dissertação que investigava a gestão da UECE, incluindo o período em que ela fez e faz parte da administração superior [de 1996 a 2004]. O resultado de nossa pesquisa apontou críticas, corroboradas inclusive pela professora Socorro, ao modelo administrativo atual da Universidade Estadual do Ceará. Fica o exemplo de que a crítica pode construir; e feliz do gestor que tem a inteligência de absorvê-la e de utilizá-la como um meio para o aprimoramento e/ou mudança de suas ações.

Universidades públicas: “descongelamento” e retração de recursos
Após fazer esses registros, gostaria de focalizar duas questões que estão incluídas no livro ora lançado: o “descongelamento” das instituições universitárias e a retração vertiginosa na transferência de recursos às universidades públicas.
Se nós formos comparar o documento “Educação Superior na América Latina e no Caribe”(5), de autoria de Cláudio Moura e Castro e Daniel Levy, consultores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com decretos e portarias do Ministério da Educação e propostas de emendas constitucionais, no período de 1996 a 2002, constataremos muitos pontos convergentes(6).
Esse termo “descongelamento” está expresso no documento do BID(7), que, através de seus consultores, sentencia que as universidades não se coadunam com a necessidade de expansão do ensino superior, haja vista terem uma pesada estrutura, serem onerosas e conviverem em constantes conflitos ideológicos e epistemológicos. Desse modo, sugere-se como alternativa que o Governo federal adote medidas no sentido de possibilitar e estimular a criação de instituições de ensino superior, especialmente de natureza privada, e sem a missão histórica e o compromisso legal de uma universidade. O que se torna irônico é que Cláudio Moura e Daniel Levy são conscientes de que a maioria das instituições particulares de ensino superior apresentam uma qualidade questionável; entretanto, entendem que essas são mais ágeis e se adequam com mais facilidade às exigências mercadológicas. Ora, uma instituição de ensino e, especialmente, uma universidade, não pode ser refém da lógica mercadológica. Tal defesa fere frontalmente o papel quase milenar da universidade, por ser uma instituição formadora de profissionais e produtora e difusora do saber, a partir de uma postura replicante, contra-hegemônica e cidadã.
De fato, não se concebe que o Brasil possua menos de 10% de jovens de 18 a 24 anos, frequentando cursos superiores, enquanto a Grã-Bretanha tem 32% e os Estados Unidos 55%. Ficando no âmbito latino-americano, o Chile tem 21% e a Argentina 40% de sua população, com título universitário, enquanto o Brasil só possui 11% de seus habitantes formados na academia(8). Todavia, a expansão do ensino universitário não pode e não poderia deixar de visualizar como questões centrais, a qualidade da formação e o fortalecimento das universidades públicas. Infelizmente, vem ocorrendo absolutamente o contrário em nosso País.
Verifica-se, portanto, uma crise conjuntural das universidades públicas brasileiras. Nessa última década, a retração dos recursos vem se dando de forma acentuada e perversa. No plano estadual e, especificamente, no caso da UECE, houve uma queda real de 25%, na transferência de receitas, entre os anos 1999 e 2000. Outro ponto que agrava a capacidade de investimento de nossa instituição é que, tomando o exemplo do exercício de 2000, 72% dos recursos a ela destinados foram utilizados para pagamento da rubrica “Vencimentos e vantagens fixas de pessoal civil”(9). A proposta orçamentária do Estado para 2004 é cada vez mais desoladora. No que tange à União, o Governo reservou no orçamento de 2004, um valor inferior a 17% com relação ao exercício de 2002 para as universidades públicas federais; ao passo que cresceram em 25% as receitas direcionadas para o crédito educativo, que tem como destino as instituições privadas(10). A insuficiência financeira, nos processos da gestão de nossas universidades públicas, tem sido crucial em desfavor do princípio da autonomia universitária, comprometendo, inclusive, a dimensão didático-científica, que aparentemente tem seu exercício autônomo resguardado, mas que em face da falta de recursos financeiros, depara-se com um limite para criar, expandir, produzir, difundir e formar.

Agradecimentos e dedicatória
Agradeço imensamente a presença de todos e de todas vocês, nesta solenidade tão importante para mim. Agradeço a todos que contribuíram para a publicação desta obra, de modo especial à Universidade Estadual do Ceará, na pessoa do seu reitor, professor Francisco de Assis Moura Araripe. Dedico esta obra, de modo bem especial, a duas pessoas. Mas, abro um parêntese. Lulu Santos e Nelson Motta, na excepcional composição “Certas Coisas”, afirmam que “cada voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer; tudo o que cala fala mais alto ao coração”(11). Mesmo corroborando os compositores citados e ciente de que não saberei exprimir com precisão o que sinto e o que quero, dedico este livro, com todo meu amor, para Elizângela e João Héricles.
Senhoras e senhores, amigas e amigos. Este também é meu primeiro discurso, após retornar à direção do CECITEC(12). Esta Unidade, que apesar de suas dificuldades, vem revelando para os Inhamuns, para a UECE e para o sistema de educação superior, que é possível fazer um trabalho com compromisso e competência.
Finalizo, dedicando esta solenidade ao inesquecível Joaquim de Castro Feitosa [1915-2003]. Como falei em outras oportunidades, Dr. Feitosinha é uma grande referência moral, cultural e política do Sertão dos Inhamuns; e, sem dúvidas, este evento tem reflexo de sua vasta e importantíssima obra. Muito Obrigado!


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)  LIMA, J. A. V. (Org.). Construindo a História da Educação – Revista da UECE/CECITEC. TAUÁ, CE, n. 3, 2003, 24p.
(2)  LIMA, J. A. V. Gestão e autonomia universitária: A experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. 216p.
(3)  OSTERNE, M. S. F. O papel da Universidade Estadual como suporte para o desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e gerencial do Estado do Ceará. Fortaleza: UECE/CESA, 1995. (Texto digitado).
(4)  A professora Maria do Socorro Ferreira Osterne foi pró-reitora de Planejamento da UECE, no período de 1996 a 2004.
(5)  CASTRO, C. M.; LEVY, D. C. Educação superior na América Latina e no Caribe: Um documento estratégico. Educação Brasileira – Revista do CRUB, Brasília, v.19, n.39, p. 109-159, 2. sem. 1997.
(6)  Cf., a propósito: FOLHA DE SÃO PAULO. Ministro quer vários tipos de universidade. São Paulo, 31 ago. 1997. Caderno 3, p. 3.
(7)  CASTRO; LEVY. Op. cit. p. 17.
(8)  Cf. RISTOFF, D. A tríplice crise da universidade brasileira. In: TRINDADE, H. (Org.). Universidade em ruína na República dos Professores. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Porto Alegre: CIPEDE, 2000. p. 201-210.
(9)  FUNECE. Departamento de Contabilidade e Finanças. Balanço Financeiro (1999; 2000). Fortaleza, 2000. (Texto digitado).
(10)               Cf. DOCUMENTO sobre gastos sociais revolta reitores de federais. Disponível em: http://estadao.com.br/educando/noticias/2003/nov/14/193.htm. Acesso em: 24 out. 2003.
(11)               Disponível em: http://letras.terra.com.br/lulu-santos/35063/. Acesso em: 7 jan. 2010.
(12)               Em 3 de novembro de 2003, reassumi a função de diretor do CECITEC. Com o fim do mandato do professor Francisco de Assis Moura Araripe, a meu pedido, conforme consta no processo 04185976-6 (SPU), fui exonerado da referida função em 22 de maio de 2004.

UNIVERSIDADE BRASILEIRA: DE MARTINS FILHO A CRISTOVAM BUARQUE.

UNIVERSIDADE BRASILEIRA: DE MARTINS FILHO A CRISTOVAM BUARQUE



(Discurso proferido por João Álcimo Viana Lima na solenidade de colação de grau da UECE/CECITEC, em Tauá, em 06 de fevereiro de 2003).


NOTA:

Em 1/9/2016, em meu perfil no Facebook escrevi:

Pra quem já fez discurso, em solenidade de colação de grau, enaltecendo o legado democrático do reitor e governador Cristovam Buarque, que decepção vê-lo reduzido ao papel de cúmplice de um golpe parlamentar.


O professor Vicente de Paulo Carvalho Madeira, ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), definiu uma tipologia, mesmo consciente dos riscos da simplificação, para os reitores das universidades públicas brasileiras(1). Para ele, os nossos reitores dividem-se em três categorias: primeiro, os estruturadores/estrategistas; segundo, os provocadores; e por último, os acomodadores.

O reitor estruturador


Acompanhando o raciocínio do professor Madeira, o reitor estruturador consiste, aliás, consistia (entendo que pelas circunstâncias atuais, o verbo fica mais apropriado no pretérito) de uma liderança que arregimentava apoio político e a integração da intelectualidade local/regional para a implantação de universidades públicas em seus estados. Aqui, não se trata de indagar acerca dos referenciais teóricos que deram aporte a esses projetos de edificação de instituições universitárias. Trata-se, portanto, de reconhecer o desprendimento, o denodo, a inteligência, a consciência, a capacidade de lançar estratégias e o espírito público de profissionais como Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque [1932-2011], na Paraíba, e Antônio Martins Filho [1904-2002], este com atuação decisiva no Ceará.
Aqui, cabe um destaque especial ao professor Martins Filho, o nosso estruturador de universidades. Antecipando-se à maioria dos estados das regiões Norte e Nordeste, conseguiu fundar uma Universidade Federal no Estado cearense em 1954; acompanhando o processo de regionalização universitária e consciente da importância política e social da criação de instituições universitárias públicas estaduais, Martins Filho liderou a criação de nossa UECE, que se efetivou em 1975. Foi também reitor-fundador da Universidade Regional do Cariri (URCA) e colaborador da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), no início de suas atividades e do projeto de instalação da Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Não quero neste momento, laurear o nosso "eterno Reitor" com denominações ao estilo de "grande homem" e de "grande herói", cujos impactos de sua difusão, sob a égide positivista, referendaram uma história estanque, factual, romântica e, acima de tudo, uma história de poucos. Mas sim, quero ser justo, exatamente em um momento como este – nobre e que sintetiza o cumprimento de uma das funções da universidade, ou seja, o ensino. Quero ser justo com quem teve a iniciativa e o mérito de liderar um processo tão importante para o desenvolvimento cearense. As ações pioneiras e estruturantes do professor Antônio Martins Filho contaram à época e, posteriormente, com vários atores, cujas participações são também meritórias e os seus impactos refletem-se numa solenidade como esta. As ações de Martins Filho tiveram, portanto, um senso de coletividade, de nordestinidade e de cearensidade. Ora, como um bom cearense, ele chegou a "peitar" nada menos que Gilberto Freyre [1900-1987], que deixou transparecer sua defesa pela hegemonia cultural de Pernambuco, no âmbito do Nordeste(2). Mas, o reitor estruturador caracterizava-se pela insistência em seus objetivos e pela garra em superar obstáculos. Desse modo, Gilberto Freyre e tantos outros oponentes aos projetos de Martins Filho acabaram por ceder, denotando o respeito que este conquistara.


O reitor provocador

         Retornando à tipologia do professor Vicente Madeira, enfatizo a presença do reitor provocador. Este se configura por seu caráter problematizador; pela difusão de seu pensamento acerca do papel da universidade, colocando-o em discussão; por lançar novos paradigmas de universidade; e pelo seu intento de planejar a universidade para o futuro. Pedindo o beneplácito do professor Madeira, abro um parêntese para destacar Anísio Teixeira [1900-1971] e Darcy Ribeiro [1923-1997], que ao fundarem a Universidade de Brasília (UnB), em 1961, foram, concomitantemente, estruturadores e provocadores. O caráter eminentemente provocador de ambos expressa-se nesta declaração de Darcy: "A Universidade de que precisamos, antes de existir como um fato no mundo das coisas, deve existir como um projeto, uma utopia, no mundo das ideias. Nossa tarefa, pois, consiste em definir as linhas básicas deste projeto utópico, cuja formulação deverá ser suficientemente clara e atraente para poder atuar como força mobilizadora na luta pela reforma da estrutura vigente"(3)
         Outro exemplo lapidar de reitor provocador é o do senador Cristovam Buarque, [reitor da UnB, de 1985 a 89 e ministro da Educação, de 2002 a janeiro de 2003](4). Quando reitor da Universidade de Brasília, talvez tenha procurado se destacar mais como um "pensador", embora sua gestão tenha lhe credenciado para ser futuramente eleito governador do Distrito Federal(5). Ao seu estilo, Cristovam falou em "aventura da universidade"(6); pensou um sistema universitário intimamente associado com a ciência e a tecnologia; idealizou o desmembramento do ensino superior, do Ministério da Educação, proposta tão criticada atualmente; combateu o continuísmo de lideranças nos mesmos cargos; e, ao assumir a pasta ministerial no Governo Lula [em janeiro de 2003], enfatizou a necessidade premente de ser criada uma "mania por educação" entre os brasileiros(7).

O reitor acomodador


         As expectativas são enormes. E, no caso específico da educação, até mais em função do Ministro do que na pessoa e na história do Presidente recém empossado(8). Vejamos o seguinte: Cristovam Buarque, o tipo reitor provocador, ao assumir o MEC deparou-se com uma realidade, cujas políticas federais estão direcionando e condenando os reitores para assumirem um papel meramente administrativo, ao estilo do bom acomodador(9). É este terceiro tipo de reitor que, grosso modo, vem prevalecendo ultimamente no seio das universidades públicas federais e estaduais. O desrespeito às dimensões do princípio da autonomia e a escassez crescente de recursos financeiros têm conduzido os gestores a manterem uma relação de submissão perante os chefes de governo. Desse modo, o reitor assume a postura de não deixar as atividades pararem, negociando a contratação de professores substitutos em caráter emergencial e a liberação de verbas para poder fazer algum investimento. Ao salvar a "barra" da instituição, a cada momento, a mercê da omissão estatal, barra-se o estilo estruturador e frustram-se as perspectivas de provocação.
         Se em nível de administração superior, a situação encontra-se nesse patamar, imaginem o grau de dificuldades com que se deparam os diretores de unidades acadêmicas. No caso específico do CECITEC, vivemos um paradoxo: convivemos com uma nítida falta de estrutura, incluindo a carência de funcionários, as deficiências das instalações físicas, a falta de acesso a novas tecnologias e a insuficiência de acervo bibliográfico. No entanto, a área de Matemática, mesmo sem um curso específico(10), obteve conceito C, no Exame Nacional de Cursos do MEC(11), por duas vezes seguidas e o curso de Pedagogia, nas duas vezes em que foi submetido ao referido Provão, obteve Conceito A(12), numa prova inequívoca de competência, no âmbito das atividades acadêmicas.
Magnífico Reitor, sei de seu compromisso com a interiorização universitária e das dificuldades financeiras que Vossa Magnificência vive enfrentando, sem, no entanto, cair no pessimismo e buscando solucionar os problemas e acomodar as diferentes situações(13). Mas, entendo que a UECE precisa zelar mais pelo nível de competência do CECITEC: em 2001, fomos o único Conceito A, em toda UECE, e em 2002, ficamos entre os três cursos de nossa Universidade com o conceito máximo.

Por uma Universidade autônoma e competente


         Contrapondo-se aos postulados que definham o caráter dos reitores e diretores, tornando-os mais acomodadores e menos gestores, almejamos uma universidade autônoma, cuja vocação científica não seja desfigurada, como estão protagonizando, ao elegerem o mercado como sua ratio finita. Defendemos uma universidade autônoma em todas as suas dimensões, mas não entendida como absoluta, inacessível e como feudo de intelligentsia. Queremos uma universidade autônoma para preservar sua missão de formadora e de produtora e difusora do saber, para assim cumprir suas vocações política e científica, em consonância com os valores acadêmicos e princípios democráticos, atentando-se para as demandas sociais. Defendemos uma universidade que se (re)avalie processualmente e que dê satisfações de suas atividades à sociedade e ao Estado. Queremos um Estado que aja para o fortalecimento das instituições universitárias, ao conceber a função estratégica que elas representam – e que podem melhor representar – para o desenvolvimento regional e nacional. Mas, não queremos um Estado que subordine e que limite a liberdade acadêmica, tão necessária ao florescimento intelectual e científico.
         O modelo expansionista, posto em prática após a promulgação da Lei nº 9.393/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e sob a insígnia do Ministério da Educação, tem proporcionado uma verdadeira avalanche de instituições privadas de ensino superior, em forma de faculdade, faculdade integrada, instituto e curso isolado, desobrigados de implantarem uma estrutura universitária e de integrarem ensino, pesquisa e extensão(14). Referido modelo configura-se como uma antítese aos ideais de Martins Filho, que antes de seu falecimento, em 20 de dezembro de 2002, assistiu com tristeza à valorização e ao crescimento vertiginoso da “não Universidade” e da retração do Estado, quanto ao seu papel de manter e de expandir a universidade pública.
         Estou esperançoso de que Cristovam Buarque também se destaque como o “ministro provocador”. Entendo que provocação não significa desmantelar tudo o que foi encontrado simplesmente porque se trata de um novo governo. Provocação está relacionada à exposição ao debate, ao questionamento de paradigmas, às proposições abalizadas e à serenidade nas avaliações, que, por seu turno, não elimina a possibilidade de reconhecer que determinadas políticas vêm dando certo. Espero que o ministro provocador, ao buscar imprimir a "mania por educação", recupere a "mania por universidade" que Martins Filho e seus companheiros de ideal ousaram implementar, nas décadas de 40 a 70 do século passado. Hoje, não se trata mais de uma justaposição de escolas superiores e faculdades, mas de fortalecer a universidade pública, como instituição plenamente autônoma e competente, cujas ações devem ser norteadas pela lógica acadêmica. Trata-se de expandir significativamente o número de vagas nas universidades públicas e de fortalecer, sem discriminação de região ou de instituição, o seu espírito científico.

 

A colação de grau


         Senhoras e senhores, sempre fico feliz em participar de solenidades universitárias, especialmente quando se trata de uma colação de grau. Não há como não identificar este evento com o caráter estruturador e provocador, respectivamente, de Martins Filho e Cristovam Buarque. Temos aqui 39 formandos em Ciências e Pedagogia(15), cujas competências não se expressam somente no Provão do MEC, mas também na elaboração e apresentação de monografias, na conquista de espaços profissionais, nas reflexões proporcionadas e no retorno inestimável que estão dando ao Sertão dos Inhamuns.
         Ao concluir, faço uso das palavras do Reitor Antônio Martins Filho: "A espiritualidade, e por ela entendemos um elo de unidade espiritual a aproximar as diversas atividades universitárias sem descer a dogmas, jamais poderá existir numa universidade que não tenha, em suas justas proporções, a autonomia de que carece para viver, tanto quanto um ser vivo de ar para respirar"(16).
            Parabéns concludentes. Muito obrigado!

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)  MADEIRA, V. P. C. O administrador, o político e o acadêmico. In: ORGANIZAÇÃO INTERAMERICANA. A gestão da Universidade Brasileira: A visão dos Reitores. Piracicaba, SP: UNIMEP, 1995. p. 69-74.
(2)  MENEZES NETO, P. E. Martins Filho. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2004. p. 111 et. seq. (Coleção Terra Bárbara).
(3)  RIBEIRO, D. A Universidade necessária. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 172.
(4)  Cristóvam Buarque foi demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por telefone, em 22 de janeiro de 2004, quando se encontrava em Portugal. Segundo matéria, no dia seguinte, da Folha Online, “Cristovam - que estava na embaixada brasileira em Lisboa quando foi demitido por Lula - avaliou como ‘desconsideração’ ser desligado do governo por telefone. [...] Ontem, o ex-ministro se disse ‘surpreso’ com a possibilidade de deixar o cargo e chegou a mostrar uma lista de convênios na área de educação que assinaria na viagem presidencial à Índia”. Ainda, segundo a reportagem: “O presidente avalia que Cristovam é um bom formulador, mas um mau gestor. Por isso, quer tirá-lo do cargo. Ontem, o presidente disse que era hora de mostrar resultados e que a educação era uma área sensível”.
(5)  Cristóvam Buarque foi governador do Distrito Federal, no período de 1995 a 1998. Em seu governo, em 1995, foi implantado o programa Bolsa Escola, que serviria de referência no País para a implantação de programas de transferência de renda. Cf. BUARQUE, C.; CASTRO, V.; AGUIAR, M. Um pouco da história do Bolsa-Escola. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 66, p. 127-144, jun. 2001. 
(6)  Cf. BUARQUE, C. A aventura da Universidade. Brasília: Unimep, 1994. 239p.
(7)  O POVO. Cristóvam Buarque diz que manterá projetos que deram certo. Fortaleza, 21 dez. 2002. Disponível em: http://www.noolhar.com/opovo.... Acesso em: 22 dez. 2002.
(8)  Em que pese a expectativa destacada neste discurso, Cristovam Buarque ficaria somente mais 11 onze meses no cargo, como falei anteriormente.
(9)  Cf. MADEIRA, op. cit.
(10)       O curso de Ciências foi implantado nas unidades da UECE de Limoeiro do Norte e Quixadá (em 1994) e de Tauá (1995), com duas habilitações: Matemática e Física; Química e Biologia. (LIMA, J. A. V., Gestão e autonomia universitária: A experiência da UECE. Fortaleza: UECE, 2003. p. 176). A partir de 2004, a UECE deixou de oferecer vagas em seus vestibulares para o curso de Ciências e implantou os cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, Física, Matemática e Química. No caso específico de Tauá, foram criados os cursos de Ciências Biológicas e Química.
(11)       O Exame Nacional de Cursos (que ficou conhecido como “Provão”) foi implantado pelo ministro Paulo Renato Souza, em 1996, para avaliar a aprendizagem dos cursos de graduação. Com as posses de Lula (presidente da República) e de Cristovam Buarque (ministro da Educação), mantém-se a defesa da avaliação externa às instituições de ensino superior, mas altera-se a metodologia. Em 2004, já com o ministro Tarso Genro, foi implantado o ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Alunos), no âmbito do SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior).
(12)       Cf. O POVO. Pedagogia de Tauá ganha conceito "A" pela 2ª vez. Fortaleza, 18 dez. 2002. / LIMA, J. A. V. Conceito A. Diário do Nordeste, Fortaleza, 20 jan. 2003. Caderno 1, p. 2.
(13)       Cf. LIMA, J. A. V. A experiência de gestão da UECE e o princípio da autonomia universitária. 2002, 245f. Dissertação (Mestrado em Gestão Educacional) – UI/UVA, Fortaleza, 2002. p. 155-161.
(14)       Os artigos 45 e 46 da Lei nº 9.394/1996 não preveem a obrigatoriedade da indissociabilidade de ensino e pesquisa e extensão por parte da instituições de ensino superior.
(15)       Os formandos da referida solenidade são os seguintes: curso de Pedagogia - Adriana Desidério Torquato, Aléssia Florêncio Feitosa Martins, Argentina Cardoso e Silva, Aurineide Carvalho Feitosa, Dilma Maria Lima, Dionísia Pereira de Sousa Filha, Eliane Santana de Sousa, Francisca de Assis Leite Torres, Francisco Djalma Mendes Peixoto, Francisco Feitosa Lima Neto, Isabel Maria Maia A. Leite Bonfim, Ismênia Carlos Rodrigues, Janaína Cavalcante Gonçalves, José Fabrício Cavalcante Mota, Josimeiry Carlos Feitosa, José Monteiro Neto, Júlio Marcos Siqueira Lima, Manoel Timóteo, Maria da Paz Alves Lima, Maria Gomes Fernandes, Maria Helena A. Pedrosa Mota, Maria Rozeleide de Oliveira, Maria Salete Vale Farias, Maria Veralice de O. Lima, Meire Lúcia Alves da Silva, Mosiane Vale Farias, Nilton Moreira de Lima e Silva, Patrícia Kércya Ferreira Barra, Rondinei Oliveira Loiola, Sônia Maria Maia Amorim, Valdivânia Maria Furtado Bezerra, Valéria Rodrigues Loiola, Vicente de Paulo Alves dos Santos e Waltecarlos Rodrigues dos Santos.
(16)       MARTINS FILHO, A. O universal pelo regional: definição de uma política universitária. 2. ed. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1966. p. 253. 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

"ISSO DE VÊ NO SERTÃO DEPOIS DA TERRA MOLHADA", DE JOÃO PARAIBANO E SEBASTIÃO DIAS.

ISSO SE VÊ NO SERTÃO / DEPOIS DA TERRA MOLHADA


(João Paraibano e Sebastião Dias)


Esse mote foi cantado de improviso pelo notáveis cantadores João Paraibano e Sabastião Dias, no 4º Desafio Nordestino de Cantadores, em Recife. Vejam que primor poético!

JP - Feijão de corda e ligeiro
Uns catando, outros batendo
Arco-íris espremendo
A barra do nevoeiro
Riacho enchendo barreiro
Sapo fazendo enxurrada
Jia cantando sentada
Na tampa de um cacimbão.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

SD - Quando a tarde fica escura
No tempo que está chovendo
Vê-se um menino correndo
Atrás de uma tanajura
Ele sobe e perde altura
Devido a bunda pesada
Voa baixo e cai cansada
Que a bunda estoura no chão.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

JP - Ninho de fura-barreira
Na barreia do riacho
Nambu cantando debaixo
Das moitas da capoeira
Velho tapando goteira
Descendo e subindo escada
Uma lata enferrujada
Pra bica tocar baião.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

SD - Quando a manhã mostra o brilho
Um sertanejo contente
Enche as cuias de semente
Vai pra roça e leva o filho
Coloca três grãos de milho
Na cova da terra arada
E na mesma cova cavada
Bota mais três de feijão.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

JP - A água turva e revolta
Da terra ensopando o seio
Riacho gemente cheio
A mata de folha envolta
Canjica cozinha solta
Pamonha ferve amarrada
A palha verde emendada
Mostra o nó que os dedos dão.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

SD - Quando tem rama na flora
Aí o caboclo diz
Que agora ficou feliz
Porque já chegou melhora
Pego os ferros e se acocora
Debaixo de uma latada
Dá pancada na enxada
Que o martelo cai da mão.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

JP - A voz do galo desperta
Os portadores da brenha
Por curvas que o rio tenha
Se arrastando a água acerta
Em cada uma cova aberta
Uma semente é plantada
E a terra grávida se enfada
Com o peso da gestação.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

SD - O campônio à terra ajeita
Bota veneno e saúva
Queima a broca, espera a chuva
Em março a planta está feita
Mês de junho é a colheita
De feijão e pamonhada
Em agosto a farinhada
Em outubro o algodão.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

JP - O trovão fala no centro
Menino cai do beliche
Velho vendendo maxixe
Velha arrancando coentro
A mosca voa e cai dentro
De um caldeirão de coalhada
Transa morrendo afogada
No leito de um caldeirão
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

SD -  Açude estoura a comporta
Que a força da cheia obriga
Nesse período a formiga
Corta a verdura da horta
Guarda um pouco do que corta
Por estar necessitada
E a outra parte é guardada
Que é pra comer no verão.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.

JP - Matuto em cima do muro
Batendo enxada e fumando
Periquitos gargalhando
Nos pés de moleque duro
Galo ciscando o monturo
Galinha choca deitada
Pra defender a ninhada
Do bote do gavião.
ISSO SE VÊ NO SERTÃO
DEPOIS DA TERRA MOLHADA.


João Paraibano e Sebastião Dias

Áudio com o improviso do mote.