FALTA DE EDUCAÇÃO.
(João Álcimo Viana Lima, em 17/6/2014).
É notório que o futebol é, disparadamente, o esporte preferido dos
brasileiros. Trata-se, portanto, de um esporte deveras popular que mobiliza
multidões e que acirra paixões. Com nosso histórico de cinco mundiais
conquistados e com a fama de craques como Pelé e Garrincha ganhamos o axioma de
“o país do futebol”.
No caso da Copa 2014, o ato de torcer e de acompanhar o maior
evento futebolístico do planeta é extensivo a todos os segmentos sociais, sem
distinção e em grande proporção. Mas, com o “padrão FIFA” adotado na
contemporaneidade globalizada, o acesso aos estádios ficou deliberadamente
elitizado. Na partida de abertura, na Arena Corinthians, os ingressos foram
vendidos, de acordo com as categorias, nos preços de 160, 440, 660 e 990 reais.
Para os demais jogos da fase de grupos, os preços dos ingressos variam entre 60
e 350 reais. Para a partida decisiva, os ingressos, já todos esgotados, foram
estipulados nos valores de R$ 330, 880, 1320 e 1980 reais. Isso mesmo! Não vou
me estender em mencionar os preços dos produtos que estão sendo comercializados
nas doze arenas brasileiras.
Não há como negar que o acesso aos estádios está inacessível às
pessoas com menor poder aquisitivo, ou seja, à maioria dos brasileiros. Então,
talvez com raríssimas exceções, o público que esteve presente no jogo de
estreia, entre Brasil x Croácia, embora distante de ser homogêneo, faz parte,
de alguma forma, da elite de seu país (do Brasil, em sua maioria e de outros,
atraídos para cá por conta da paixão que move o futebol e do glamour
que há em torno de uma Copa do Mundo). Ao falar de elite, remeto-me ao poder
aquisitivo de seus integrantes (incluindo a classe média), que, via de regra,
em sua quase totalidade, tiveram a oportunidade de edificar, a seu favor, uma
trajetória escolar, pelo menos razoável.
Compreendo que as manifestações ocorridas no Brasil, há cerca de
um ano, durante a Copa das Confederações, pavimentaram o caminho para que os
protestos fossem reeditados em 2014. Penso que os atos de depredação do
patrimônio público e privado realizados por marginais infiltrados nas
manifestações e o temor da sociedade pelas práticas dos black blocs,
esvaziaram os movimentos, afastando aqueles que, mesmo sem uma pauta objetiva
de reivindicações, estavam movidos de boas intenções. Não obstante o
esvaziamento dos protestos organizados, que em 2013 ocorreram fora dos
estádios, ficou o sentimento de rebeldia em grande parte dos brasileiros.
A rebeldia apresentada na abertura da Copa, dentro da Arena
Corinthians, tendo como alvo a presidenta Dilma Rousseff, teve os requintes da
chamada “falta de educação”, partindo de gente qualificada como “fina” e que
teve oportunidade de estudar. Mandar uma Chefe de governo, eleita
democraticamente, “tomar no ...”, é sinal de insatisfação, mas expressa, principalmente,
descortesia, grosseria, desrespeito e falta de civilidade.
Não vou entrar no mérito de que os protestos partiram das alas vips,
pois o vergonhoso coro ganhou eco entre os diferentes espaços do estádio. Não
vou acompanhar os argumentos de que a elite brasileira mais conservadora e
afortunada não tolera os avanços sociais dos últimos doze anos, pois os
governos petistas tiveram e têm nesse segmento parte de sua sustentação
política. Mas, como disse o ex-presidente Lula, os xingamentos, de fato, não
partiram de pessoas “pobres”, na conceituação financeira do termo. Alguém
premeditou, executou e parte da massa elitizada acompanhou esse lastimável
episódio. Parece que os apoiadores envergonharam-se da sua atitude,
diferentemente do orgulho ostentado nas redes sociais por muitas pessoas que
participaram dos protestos em 2013. Agora, em vez do protesto, o xingamento; em
vez da satisfação explicitada, a vergonha camuflada.
Nelson Rodrigues chegou a afirmar que “o Maracanã vaia até minuto
de silêncio”. Pois, foi nesse templo do futebol, com a gloriosa presença dos
“geraldinos” em meio a 200 mil torcedores, que, na final de 1950, o prefeito do
então Distrito Federal (Rio de Janeiro), Mendes de Morais, recebeu uma sonora
vaia. O cronista Armando Nogueira, ponderou esse gesto, escrevendo: “O homem
faz o estádio. Ainda assim leva pau do público”.
Sessenta e quatro anos depois, em vez das saudosas “gerais” e
tradicionais arquibancadas, a suntuosa Arena Corinthians, sob os auspícios do
“padrão FIFA”, na abertura da segunda Copa do Mundo realizada em gramados
brasileiros, dispensou as corriqueiras vaias desferidas contra autoridades,
árbitros, jogadores e técnicos, e, que por sinal, já haviam sido utilizadas
contra a Presidenta na Copa das Confederações. O grande público, dessa vez,
elitizado e escolarizado, optou pelo “palavrão” e pela ofensa verbalizada
grosseiramente.
Enfim, foi com os escolarizados que, em um estádio de futebol,
este País promoveu um vergonhoso exemplo de grande falta de educação.
Prefeito Ângelo Mendes de Morais: Sonora vaia em 1950.
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