quarta-feira, 16 de julho de 2014

A CARTA DE PARREIRA E O RELATÓRIO DE FELIPÃO. | Professor João Álcimo

A CARTA DE PARREIRA E O RELATÓRIO DE FELIPÃO.


(João Álcimo Viana Lima, em 15/7/2014).

Tendo nascido no início da década de 1970, vim comemorar o primeiro título mundial da Seleção Brasileira na Copa de 1994. Após duas decepções sob o comando de Telê Santana (em 1982 e 86) e do fiasco do time de Lazaroni (em 1990), conquistamos o tão almejado tetra, com um elenco bastante questionado por seu nível técnico, tendo Carlos Alberto Parreira como treinador.

Em comparação com o time de 82, onde tínhamos Zico, Falcão, Sócrates, Júnior, Leandro, Cerezo, Oscar e Éder no auge de suas carreiras, era razoável que o time de 94 nos deixasse reticentes. Infelizmente, aquela geração de brilhantes atletas ficou marcada por não conquistar uma Copa do Mundo. Por outro lado, um dia desses pensando com os meus botões, cheguei à conclusão de que a seleção de 94, ao tempo em que foi vencedora, recebeu muito mais injustiças do que reconhecimento.

Vejamos: Taffarel sempre se agigantava com a camisa 1 da Canarinho; Márcio Santos e Aldair formaram uma das melhores duplas de zagueiros em uma Copa, apesar de terem chegado à condição de titulares após as lesões de Ricardo Rocha e Ricardo Gomes; Jorginho foi um grande lateral direito, que apoiava com muita facilidade; Mauro Silva e Dunga se prestaram muito bem ao papel de volantes de marcação, algo que quase sempre eles fizeram com muita precisão. Romário (a grande referência daquele ano e um dos maiores atacantes do mundo em todos os tempos) e Bebeto (jogador acima da média) formaram uma dupla de ataque eficaz e muito bem sintonizada. Ambos fizeram gols por meio de assistências mútuas. Leonardo atravessava ótima fase, mas por conta de uma violenta cotovelada desferida em um jogador dos Estados Unidos, foi eliminado da Copa; em seu lugar, entrou Branco, como grande incógnita, mas com experiência e a utilidade de seu potente chute. Nosso grande gargalo residia no estratégico setor de criação, com Zinho e Raí, que diferente de Taffarel, sempre se inferiorizou na Seleção. Em decorrência de suas más atuações, Raí foi substituído, no decorrer do certame, por Mazinho e a braçadeira de capitão foi repassada para Dunga.  

Com as limitações postas e expostas, Parreira fez muito bem a sua parte. Com um time bem montado defensivamente, os laterais tinham liberdade para subir ao ataque e os atacantes movimentavam-se para buscar a bola. Além disso, Romário (talentoso, frio e polêmico) correspondeu às expectativas e desde o primeiro jogo mostrou que estava na Copa para ser o melhor. E foi! Era um time, disparadamente, superior ao deste ano. Então, fiquei com essa referência positiva de Parreira, que, em meio à fragilidade na criação de jogadas, soube armar o time taticamente e potencializou os pontos fortes dos atletas brasileiros. Enfim, ganhou o tetra, após 24 anos de jejum, na Copa sediada nos Estados Unidos.

Não obstante seu fracassado comando na Copa de 2006, com um time repleto de atletas campeões do mundo e alçados à condição de “estrelas”, sempre considerei a imprensa muito inclemente com Parreira. Ora, o cara, imerso em toda uma onda de pessimismo, dirigiu a seleção do tetra! Mas, na Copa de 2014, como coordenador técnico de nossa seleção, ele, simplesmente, perdeu o senso do ridículo. Se não bastasse a massacrante e humilhante goleada sofrida contra a Alemanha, o diplomático Parreira, um dia após o maior revés da história da Seleção Brasileira, resolveu ler uma suposta carta enviada por “dona Lúcia” ao técnico Luiz Felipe Scolari.

Em respeito aos 102 anos de idade de seu Guerreiro, ex-carteiro viajante do interior cearense, não vou entrar no mérito da origem e do percurso da carta. Mas, intriga-me os motivos que levaram Parreira à exposição tão risível. Solidariedade ao Felipão? Determinação de alguém? O certo é que aquele 7x1 foi muito doído para os brasileiros. Desse modo, por mais que a carta seja, de fato, da dona Lúcia, sua leitura foi deveras inoportuna. Na contramão da opinião pública, o sentimento da suposta torcedora anônima é de profunda admiração e gratidão ao então técnico brasileiro. Ao preferir usar o tempo com questionável carta, a comissão técnica ficou devendo um pedido desculpas aos brasileiros.

Para completar o malogrado desfecho, o senhor Felipão, longe de demonstrar a humildade que lhe foi atribuída pela tolerante, compreensiva e afetuosa dona Lúcia, resolveu revelar, após os 7x1 contra a Alemanha e os 3x0 contra a Holanda, que entregará um relatório de seu trabalho à CBF. Por Deus, qual é a necessidade e qual será a utilidade desse relatório? Pra reiterar e nos convencer de que o desastre da participação da Seleção, que jogou a Copa em casa, foi decorrente apenas de um apagão de seis minutos? Todos vimos que o Brasil não jogou bem e que pra nossa sorte, como se fosse numa prova de automobilismo, na semifinal e na disputa do 3º lugar, a Alemanha e a Holanda literalmente subiram o pé no acelerador.

Não creio que Luiz Felipe Scolari queira seguir o exemplo do grande escritor Graciliano Ramos, que ao deixar o cargo de prefeito de Palmeira dos Índios, exercido em 1927 e 1930, entregou, ao governador alagoano, um qualificado relatório, que despertou a atenção dos editores da época, por sua criatividade textual.

Então, que o Parreira e o Felipão nos poupem de suas cartas e seus relatórios.


 Parreira fazendo a leitura da "carta de dona Lúcia".
Seleção de 1994: "Disparadamente, superior à de 2014".

Graciliano Ramos: Autor de qualificado relatório de sua gestão como prefeito.

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