A CARTA DE PARREIRA E O RELATÓRIO DE FELIPÃO.
Em comparação com o time de 82, onde tínhamos Zico, Falcão, Sócrates, Júnior, Leandro, Cerezo, Oscar e Éder no auge de suas carreiras, era razoável que o time de 94 nos deixasse reticentes. Infelizmente, aquela geração de brilhantes atletas ficou marcada por não conquistar uma Copa do Mundo. Por outro lado, um dia desses pensando com os meus botões, cheguei à conclusão de que a seleção de 94, ao tempo em que foi vencedora, recebeu muito mais injustiças do que reconhecimento.
(João Álcimo Viana Lima, em 15/7/2014).
Tendo nascido no início da década de 1970, vim comemorar o
primeiro título mundial da Seleção Brasileira na Copa de 1994. Após duas
decepções sob o comando de Telê Santana (em 1982 e 86) e do fiasco do time de
Lazaroni (em 1990), conquistamos o tão almejado tetra, com um elenco bastante
questionado por seu nível técnico, tendo Carlos Alberto Parreira como
treinador.
Em comparação com o time de 82, onde tínhamos Zico, Falcão, Sócrates, Júnior, Leandro, Cerezo, Oscar e Éder no auge de suas carreiras, era razoável que o time de 94 nos deixasse reticentes. Infelizmente, aquela geração de brilhantes atletas ficou marcada por não conquistar uma Copa do Mundo. Por outro lado, um dia desses pensando com os meus botões, cheguei à conclusão de que a seleção de 94, ao tempo em que foi vencedora, recebeu muito mais injustiças do que reconhecimento.
Vejamos: Taffarel sempre se agigantava com a camisa 1 da
Canarinho; Márcio Santos e Aldair formaram uma das melhores duplas de zagueiros
em uma Copa, apesar de terem chegado à condição de titulares após as lesões de
Ricardo Rocha e Ricardo Gomes; Jorginho foi um grande lateral direito, que
apoiava com muita facilidade; Mauro Silva e Dunga se prestaram muito bem ao
papel de volantes de marcação, algo que quase sempre eles fizeram com muita
precisão. Romário (a grande referência daquele ano e um dos maiores atacantes
do mundo em todos os tempos) e Bebeto (jogador acima da média) formaram uma
dupla de ataque eficaz e muito bem sintonizada. Ambos fizeram gols por meio de
assistências mútuas. Leonardo atravessava ótima fase, mas por conta de uma
violenta cotovelada desferida em um jogador dos Estados Unidos, foi eliminado
da Copa; em seu lugar, entrou Branco, como grande incógnita, mas com
experiência e a utilidade de seu potente chute. Nosso grande gargalo residia no
estratégico setor de criação, com Zinho e Raí, que diferente de Taffarel,
sempre se inferiorizou na Seleção. Em decorrência de suas más atuações, Raí foi
substituído, no decorrer do certame, por Mazinho e a braçadeira de capitão foi
repassada para Dunga.
Com as limitações postas e expostas, Parreira fez muito bem a sua
parte. Com um time bem montado defensivamente, os laterais tinham liberdade
para subir ao ataque e os atacantes movimentavam-se para buscar a bola. Além
disso, Romário (talentoso, frio e polêmico) correspondeu às expectativas e
desde o primeiro jogo mostrou que estava na Copa para ser o melhor. E foi! Era
um time, disparadamente, superior ao deste ano. Então, fiquei com essa
referência positiva de Parreira, que, em meio à fragilidade na criação de
jogadas, soube armar o time taticamente e potencializou os pontos fortes dos
atletas brasileiros. Enfim, ganhou o tetra, após 24 anos de jejum, na Copa
sediada nos Estados Unidos.
Não obstante seu fracassado comando na Copa de 2006, com um time
repleto de atletas campeões do mundo e alçados à condição de “estrelas”, sempre
considerei a imprensa muito inclemente com Parreira. Ora, o cara, imerso em
toda uma onda de pessimismo, dirigiu a seleção do tetra! Mas, na Copa de 2014,
como coordenador técnico de nossa seleção, ele, simplesmente, perdeu o senso do
ridículo. Se não bastasse a massacrante e humilhante goleada sofrida contra a
Alemanha, o diplomático Parreira, um dia após o maior revés da história da
Seleção Brasileira, resolveu ler uma suposta carta enviada por “dona Lúcia” ao
técnico Luiz Felipe Scolari.
Em respeito aos 102 anos de idade de seu Guerreiro, ex-carteiro
viajante do interior cearense, não vou entrar no mérito da origem e do percurso
da carta. Mas, intriga-me os motivos que levaram Parreira à exposição tão
risível. Solidariedade ao Felipão? Determinação de alguém? O certo é que aquele
7x1 foi muito doído para os brasileiros. Desse modo, por mais que a carta seja,
de fato, da dona Lúcia, sua leitura foi deveras inoportuna. Na contramão da
opinião pública, o sentimento da suposta torcedora anônima é de profunda
admiração e gratidão ao então técnico brasileiro. Ao preferir usar o tempo com
questionável carta, a comissão técnica ficou devendo um pedido desculpas aos
brasileiros.
Para completar o malogrado desfecho, o senhor Felipão, longe de
demonstrar a humildade que lhe foi atribuída pela tolerante, compreensiva e
afetuosa dona Lúcia, resolveu revelar, após os 7x1 contra a Alemanha e os 3x0
contra a Holanda, que entregará um relatório de seu trabalho à CBF. Por Deus,
qual é a necessidade e qual será a utilidade desse relatório? Pra reiterar e
nos convencer de que o desastre da participação da Seleção, que jogou a Copa em
casa, foi decorrente apenas de um apagão de seis minutos? Todos vimos que o
Brasil não jogou bem e que pra nossa sorte, como se fosse numa prova de
automobilismo, na semifinal e na disputa do 3º lugar, a Alemanha e a Holanda
literalmente subiram o pé no acelerador.
Não creio que Luiz Felipe Scolari queira seguir o exemplo do
grande escritor Graciliano Ramos, que ao deixar o cargo de prefeito de Palmeira
dos Índios, exercido em 1927 e 1930, entregou, ao governador alagoano, um
qualificado relatório, que despertou a atenção dos editores da época, por sua
criatividade textual.
Então, que o Parreira e o Felipão nos poupem de suas cartas e seus
relatórios.
Seleção de 1994: "Disparadamente, superior à de 2014". |
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