quinta-feira, 10 de julho de 2014

O GRANDE INQUISIDOR. | Professor João Álcimo

O GRANDE INQUISIDOR.

(João Álcimo Viana Lima, em 10/7/2014).

O dia 9 de julho está marcado pela maior hecatombe e humilhação que o futebol brasileiro sofreu em sua história. Concordo com o técnico Luís Felipe Scolari de que tal façanha não mais se repetirá. Não é possível que algo semelhante ainda aconteça. Como explicar que o país que tem o futebol pentacampeão do mundo e que produziu craques da estirpe de Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Didi, Vavá, Gérson, Rivelino, Carlos Alberto Torres, Zico, Romário, Ronaldo e tantos outros, tenha sofrido tão absurda humilhação? 

Na goleada histórica de 7x1, o time brasileiro confirmou o quanto está pequeno tecnicamente. Mas, ninguém esperava que a seleção fosse se apequenar ao extremo. No Mineirão, mais uma vez lotado, não se viu uma minúscula sombra ou um milímetro do rastro da gloriosa tradição do esporte mais popular deste País. O que se viu foi um time sem padrão tático, um técnico inerte e jogadores atordoados e na “roda”. Lembrei-me do famoso “quadrado”, nos recreios de minha época de estudante no ensino fundamental. Era feito um círculo com vários alunos, enquanto um deles ficava no meio tentando roubar a bola, que ia girando de pé em pé. Quem perdesse a bola, assumia a indesejável posição. No quarto e quinto gols da Alemanha, vimos a seleção brasileira literalmente no “quadrado”. Com uma diferença, em vez de um, tínhamos vários atletas na “roda”. O que parecia brincadeira, expressou uma dura realidade.

Todos vimos que o Brasil chegou às semifinais jogando um futebol muito longe de ser convincente. Nas oitavas, a classificação só veio nos pênaltis, contra o Chile. Sem ter jogado as Eliminatórias, a conquista da Copa das Confederações, em 2013, deu-nos a impressão de que o time estava pronto para conquistar o hexa. Felipão apostou nisso e em seus métodos antigos e os brasileiros acreditaram na reedição de 2002, quando o Brasil foi penta com ele no comando técnico. Amarga ilusão! À época, a seleção contava com Cafu, Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Ronaldo e as grandes defesas de Marcos. Agora, o único destaque era o Neymar. Após os dois primeiros jogos, veio a certeza, de que nossas expectativas dependiam quase que exclusivamente dele. De fato, não havia como relativizar a ausência de Neymar, na condição de único atleta diferenciado de um time com muitas limitações. Infelizmente, deu no que deu contra a forte equipe da Alemanha.

Um dia antes do vergonhoso revés, no artigo “Por um novo Amarildo”, numa alusão ao substituto de Pelé na Copa de 1962, após sua contusão naquele certame, ponderei que: “A diferença do nível técnico entre os dois elencos é abissal. À altura de Neymar, não temos ninguém.” Consciente do favoritismo da Alemanha, mas muito desejoso da vitória brasileira, apelei para o otimismo, com base em nossa tradição, no fato de o Brasil está jogando em casa e nos “sopros da força exterior que vagueia e permeia sobre o futebol”. Outra amarga ilusão! Sem deixar de fazer apologia às crônicas rodrigueanas, aprendi, contudo, que os “sopros sobrenaturais” não poderão influir sobre um placar ou campeonato sem contar com algum componente concreto. Mas, o que podemos classificar como concreto dentro das quatro linhas do campo? Compreendo que talentos individuais e organização tática devem estar entre os itens básicos da concretude para se chegar ao êxito no futebol. A “força exterior” deve fazer o complemento, a diferença, o excesso e a consagração. Por outro lado, pode provocar o escárnio.

Temendo a ausência desse algo concreto, no referido artigo, escrevi: “Oscar, jogou muito bem o primeiro jogo (contra a Croácia), mas nos próximos confrontos deu-nos a grande impressão de que se tratou de um “alarme falso”. Hulk é o grande exemplo de que porte físico e garra não bastam para brilhar em nossa seleção. Fred até agora tem tido atuações pífias e indignas de um centroavante de ofício.” Sinceramente, apostei na performance técnica e no espírito de liderança de David Luís, o melhor jogador brasileiro no cômputo dos jogos anteriores desta Copa. Infelizmente, após o primeiro gol alemão, em um erro grosseiro de marcação da defesa, ele desmoronou junto com seus companheiros. Em meio à aposta, no aludido texto, fiz a seguinte indagação, em forma de ponderação: “Alguém se lembra de um zagueiro de área ter sido a principal referência de nossa seleção?”

Com um time reconhecidamente qualificado, organizado e disciplinado taticamente, com facilidade, a Alemanha nos impôs o massacre. Discordo, entretanto, de quem falou que os alemães deram uma aula de futebol. Na verdade, tratou-se de um “passeio”. Em campo, para que um time possa dar uma “aula de bola”, é preciso que ele tenha um adversário à altura ou, pelo menos, em condições aproximadas. O Brasil, este sim, deu uma aula de como não jogar futebol e de como não honrar a gloriosa camisa amarela.

Ficou evidente a necessidade de uma ampla renovação em nossa seleção. Francamente, não sei quais lições podem ser tiradas dessa catástrofe. O sentimento que tenho é de que é preciso “passar a régua” e “pedir a conta”. Acontece que os problemas estão para além da escassez de craques e do comando técnico da seleção. Há uma dimensão exógena aos gramados e que neles repercute negativamente. Falo da estrutura de poder, aos moldes feudais, do futebol brasileiro, com a CBF, suas afiliadas e seus dirigentes.

Em meio à deterioração ética e técnica, infelizmente, testemunhamos um gigante sucumbir como um reles mortal. Fomos da imponência à completa impotência. A abstração, composta pelo desejo de vencer, pela torcida apaixonante e por associações históricas, não teve qualquer condição objetiva de se materializar. Como fazer surgir um novo Amarildo no corpo de Bernard? Como idealizar que esse novo Amarildo, em vez de encarnar o “Possesso”, incorporaria o poder do “Grande inquisidor”, outro personagem de Dostoiévski? Que vã utopia! Diriam os mais cáusticos: que blasfêmia!

Com efeito e por ironia do destino, a impiedade do “Grande inquisidor” se identificou com o talento esbanjador e a frieza definidora dos craques da seleção alemã. Klose (que ultrapassou o recorde de gols marcados em Copas do Mundo, que pertencia a Ronaldo até o início desta Copa) Thomas Müller, Kroos, Khedira, Schurrle e companhia montaram um tribunal inquisitório avassalador, que, sem direito à réplica, queimou barbaramente o sonho do hexacampeonato dos brasileiros. 

O Grande Inquisidor: personagem e livro de Dostoiévski.

Seleção Brasileira: "Da imponência à completa impotência".
Seleção Brasileira: "Um gigante sucumbiu como um reles mortal".

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