quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

A GREVE DOS PMs E A IMINÊNCIA DE BABÁRIE.

A GREVE DOS PMs E A IMINÊNCIA DE BARBÁRIE


(João Álcimo Viana Lima, em janeiro/2011)
“Não venha para Fortaleza!”. Esta frase, com algumas variações de palavras, foi ouvida por mim (que moro em Tauá), no último dia 3, por meio de interlocutores que residem na Capital cearense. A motivação para a orientação foi decorrente da paralização das atividades dos policiais militares, deflagrada em 29/12/2010.

Em torno do lamentável episódio, ouvimos muito, de um lado, acerca da inconstitucionalidade do movimento (cf. §5º do art. 42 da Constituição Federal) e, do outro, sobre a necessidade de diálogo entre governo e categoria, haja vista que antigas reivindicações dos policiais militares e bombeiros não estavam recebendo a atenção necessária. 

O fato é que, mesmo sendo inconstitucional, o movimento dos PM’s e bombeiros conseguiu uma grande adesão de seus profissionais em praticamente todo o Estado. Apesar do reforço de tropas federais, o clima de insegurança, principalmente em Fortaleza, foi absoluto. A esse respeito, o jornalista Fábio Campos, no jornal O Povo, de 5/1/2011, disse o seguinte:“Chocada, a população se comportou como se houvesse um ‘toque de recolher’. Em plena alta estação, boa parte do comércio, restaurantes e demais serviços fechados. Clima tenso nas ruas. Temor generalizado. Um duro golpe na ordem pública e na economia”.

Com a situação felizmente contornada, fico com o sentimento de que a sociedade e a democracia foram as grandes perdedoras em todo esse episódio. Não há como negar os riscos (e os precedentes a partir do Ceará) de greves, motins ou aquartelamentos com militares armados. Mas a pior evidência foi a iminência de barbárie. Em pouco tempo (a paralização durou seis dias), a população teve que aderir ao “toque de recolher”, por conta de bandos organizados e semiorganizados ou pessoas individualizadas (bandidas ou candidatas a tais) iniciarem um festival de “arrastões”, saques e assaltos (Cf.http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2012/01/03/com-greve-da-pm-violencia-aumenta-e-fortaleza-tem-arrastoes.jhtm).  

Graciliano Ramos, em "Memórias do Cárcere", afirmou que “as circunstâncias nos agarram”. Mas, como é que pode, em meio às circunstâncias da ausência de policiais, tamanha rapidez e avidez de várias pessoas que estão à margem da lei e da sociedade? Se o entendimento entre Governo e PMs tivesse demorado mais alguns dias, como teriam ficado os órgãos públicos, os estabelecimentos privados, as residências, os serviços e o Estado? 

Apesar dos avanços em nosso País, socialmente, nosso Estado de direito e democrático ainda precisa evoluir bastante. Torço para que outras circunstâncias, sob a ótica constitucional e sociocultural, possam nos “agarrar”, de forma a promover o bem-estar social.

SEU LUNGA: A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM POPLAR.

SEU LUNGA: A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM POPULAR


(João Álcimo Viana Lima, em novembro/2014)


Joaquim dos Santos Rodrigues, o Calunga (na boca de uma ex-vizinha de Caririaçu, onde ele nasceu), ou simplesmente e totalmente o Lunga (e mais tarde, seu Lunga), que se mudou para Juazeiro do Norte aos 16 anos, fez-se um dos personagens mais populares do País.

Nascido em 1928, foi casado durante 63 anos com dona Carmelina, com quem teve treze filhos. Seu Lunga carregou as marcas do sertanejo agricultor e proprietário campesino (embora tenha vivido no ambiente citadino desde a adolescência), do devoto de Padre Cícero (sua grande referência de fé) e da severidade na formação e condução da família, algo herdado de seus ascendentes. Feito comerciante, dedicou seu cotidiano, durante muitos anos, à labuta em sua loja, inicialmente de cereais, até chegar ao ramo de sucatas e variedades. Mas, não foi seu trabalho na agricultura e comércio que o tornaram famoso. Sua fama foi decorrente da pecha de “abusado”, “afobado”, “bruto”, “mal humorado” ou “ignorante”.

O curioso é que ele sempre negou essa condição, embora admitindo que não gostava de perguntas bobas. Foi da espontaneidade de pessoas do seu convívio que a fama de “bruto” lhe foi imputada e se multiplicou alhures, popularizando-se e sendo difundida por pessoas fora de seus contatos e de seu alcance. Na difusão do Lunga, como homem de tolerância zero, entrou em cena o sarcasmo, com todas as doses de excesso, criação e estilo caricatural. A esse respeito, seu Lunga sentia-se extremamente injustiçado e ofendido, pois os casos relatados em torno de si e que fundamentaram e edificaram sua fama, segundo ele, são todos inverídicos. 

O certo é que, paulatinamente, o rótulo de ser o homem zangado de Juazeiro do Norte evoluiu para o título de “o homem mais bruto do mundo”. O que se tratava de relato espontâneo, passou a ser deliberadamente pauta de inúmeras reportagens de rádios, jornais e tevês, tema de dezenas de folhetos de cordel, objeto de estudo de trabalhos de pesquisa, conteúdo de livros, inspiração de personagem cênico, fonte para publicidade e atração cultural e turística de sua cidade.

Ao seu modo, Lunga reagiu à fama, que lhe chegou sem que a esperasse ou a desejasse, roubando-lhe a tranquilidade. Em várias oportunidades, revelou-se cético à sua importância e pelo fato de ele ser motivo de tanto assédio para entrevistas e fotografias. Mas, creio que, em seus últimos anos de vida, ele já assimilava (pelo menos, em parte) sua notoriedade. A partir dela é que foi revelada outra de suas facetas, a capacidade poética, com mensagens inerentes às suas origens, aos seus valores e ao seu imaginário. Com efeito, o poeta popular Lunga falou de boi mandingueiro, destino, mulher bonita, pessoas idosas, pássaros e de sua microrregião natal, o Cariri.

Dependendo de como lhe era feita a abordagem, sua receptividade podia ser elogiável. A propósito, nas vezes em que estive com alunos universitários, em aulas de campo, em Juazeiro do Norte, recebi solicitações para que, na terra do Padre Cícero, fôssemos ao encontro do seu Lunga. Na última vez, em dezembro de 2013, ele, ainda convalescente de uma cirurgia, atendeu-nos, na praça que fica defronte a sua residência, com muita cordialidade. Durante o encontro, valeram os vários cliques fotográficos.

Certamente, neste imenso Brasil, há outros “Lungas”, com dimensões psicossocial e cultural semelhantes às de Joaquim dos Santos Rodrigues. Contudo, por força de aspectos que fogem do padrão das razões objetivas, não ganharam o status de celebridade. O palco desse estrelato, seletivamente, ficou reservado para o seu Lunga do Cariri, com sua cearensidade e a despeito de seu imenso contragosto. 

Eu e seu Lunga.
Alunos de Pedagogia da UECE com seu Lunga.

ARTIGOS.

Prezados(as),

Farei a postagem de alguns artigos escritos por mim em momentos anteriores.

Abraço!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

"A COISA MAIS LINDA QUE EU TENHO", DE JOÃO ÁLCIMO VIANA.

A COISA MAIS LINDA QUE EU TENHO


(João Álcimo Viana)


Teu sorriso é o retrato da beleza,
Os teus olhos, sinônimo de alegria;
Tuas mãos simbolizam gentileza,
Tua boca transmite simpatia.

Os teus seios cintilam de viveza,
Teus cabelos têm tom que alumia;
Os teus pés carinhosos dão certeza
Que teu corpo é a síntese da magia.

És mulher que tem sensibilidade,
Teu caráter realça integridade,
Teu trabalho é florido com empenho.

Tu és “rosa” sob o som de Pixinguinha,
“Infinita” com o aval do “Poetinha”,
És a coisa mais linda que eu tenho!


João Álcimo Viana

"IGUAL-DESIGUAL", DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.

IGUAL-DESIGUAL

(Carlos Drummond de Andrade)

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todas as experiências de sexo
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
[coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

"SEIS OU TREZE COISAS QUE EU APRENDI SOZINHO", DE MANOEL DE BARROS.

SEIS OU TREZE COISAS QUE EU APRENDI SOZINHO

(Manoel de Barros)

1.
Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.

2.
Com cem anos de escória uma lata aprende a rezar.
Com cem anos de escombros um sapo vira árvore e cresce
por cima das pedras até dar leite.
Insetos levam mais de cem anos para uma folha sê-los.
Uma pedra de arroio leva mais de cem anos para ter murmúrios.
Em seixal de cor seca estrelas pousam despidas.
Mariposas que pousam em osso de porco preferem melhor as cores tortas.
Com menos de três meses mosquitos completam a sua eternidade.
Em ente enfermo de árvore, com menos de cem anos, perde o contorno das folhas.
Aranha com olho de estame no lodo se despedra.
Quando chove nos braços da formiga o horizonte diminui.
Os cardos que vivem nos pedrouços têm a mesma sintaxe que os escorpiões de areia.
A jia, quando chove, tinge de azul o seu coaxo.
Lagartos empernam as pedras de preferência no inverno.
O vôo do jaburu é mais encorpado do que o vôo das horas.
Besouro só entra em amavios se encontra a fêmea dele vagando por escórias...
A quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso.
Caracóis não aplicam saliva em vidros; mas, nos brejos, se embutem até o latejo.
Nas brisas vem sempre um silêncio de garças.
Mais alto que escuro é orumor dos peixes.
Uma árvore bem gorjeada, com poucos segundos, passa a fazer parte dos pássaros que gorjeiam.
Quando a rã de cor palha está para ter - ela espicha os olhinhos para Deus.
De cada vinte calangos enlanguescidos por estrelas, quinze perdem o rumo das grotas.
Todas estas informações têm soberba desimportante científica - como andar de costas.

3.
Ilhota de pedra no meio de um corixo é de nome sarã.
Amanhecer de um sarã tem gala! Eu assisto:
Martim-pescador, de repente, no alto da água, arregaça o cuzinho e solta sua isca de guspe.
Peixe vai ver o que foi aquele guspe: antepara!
De veloz arrojo Martim-pescador frecha na água, e num átimo sobe -
O peixe atravessado no bicó!
As águas remansam e rezam.
Que esse martim-pescador é fela.

4.
Tem quatro teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.

5.
A água passa por uma frase e por mim.
Macerações de sílabas, inflexões, elipses, refegos.
A boca desarruma os vocábulos na hora de falar
E os deixa em lanhos na beira da voz.

6.
O coró é bicho abléfaro - e sem engonços.
Habita encostado nos termos que lhe referem.
Tem o corpo transparente e lambe o próprio oco na fortuna
de que esse oco ainda seja a placenta em que morou.
O coró se suficienta.
Devora-se como um prato azedo de formigas.
E lambe até o algodão do nariz em que está morto.

7.
O rio atravessou um besouro pelo meio - e uma falena.
Era um besouro de âmbar, hosno
E uma falena de Ocaso. O besouro
Enfiou na falena seu aguilhão
E a trouxe para seu esconderijo.
Depois esplendorou-a toda antes de comê-la.

8.
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.

9.
De noite passarinho é órfão
para voar. Não enxerga
nem o pai das vacas
nem o adágio dos arroios.
Seu olho de ovo emaranha com folhas.
No escuro não sabe medir direção e trompa nos paus.
Passarinho é poeta de arrebol.

10.
Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.

11.
Tem assas mas não entoa.
Penso que o papel o aceite.
Cuido que não seja nada.
Quase que não abre olho.
Acho que será de pano.
Falam que passou de lata.
No lugar de haver boca está o espanto.
Ri por não ter rosto.

12.
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade

nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdômen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

13.

Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.

Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
adentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres adentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.

(Grifos meus).

Manoel de Barros

"CADA MINUTO QUE MORRE, MATA UM PEDAÇO DE MIM", DE DIDEUS SALES.

CADA MINUTO QUE MORRE, MATA UM PEDAÇO DE MIM

(Dideus Sales)

Vivi toda a exuberância
Dos dias de juventude
Cheio de gozo e saúde
Amores em abundância,
Não calculei a distância
Do auge até o meu fim,
Hoje extenuado, enfim,
Percebo que o tempo corre.
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

Sorvi o halo das fãs
Em esplendorosas noites,
Fiz incontáveis pernoites
Em divãs de cortesãs;
Eis que em minhas manhãs
Alvacentas de marfim,
Cheirosas como jasmim
Eterno eclipse percorre.
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

O tempo causou-me estragos,
(Esse ditador esquálido)
Para orgias sou inválido,
Vivo sedento de afagos,
Meus olhos viraram lagos,
Minha pele de cetim
Está áspera que nem brim,
Meu Deus, por que isso ocorre?
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

O sol da minha existência
Já pendeu para o ocaso,
Também não está tão raso
Meu poço de paciência;
Por minha vã preferência
Às noitadas de festim,
Até mesmo Querubim
Se evoco, não me socorre.
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

Contenho a ansiedade
Pra não morrer de desgosto,
Vejo impressos em meu rosto
Sinais de debilidade;
Me alimento de saudade,
Vivo sem fazer motim,
Sei que fui o estopim
Desse incêndio que transcorre.
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

Não bebo mais os olores
Das flores nas primaveras,
Ardem em meu peito as crateras
Do vulcão dos dissabores,
Para alívio dessas dores,
Nem um chá de alecrim,
Em mesa de botequim
Afogo as mágoas em porre.
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

A mais doce melodia
Não me traz suavidade,
Estou imerso em saudade,
Tristeza e melancolia,
Voou minha alegria,
Emurcheceu meu jardim,
Quem hoje me vê assim,
Baixa o rosto, o pranto escorre.
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

Cresceram minhas madeixas
Ao descambar pro outono,
Fugiram volúpia e sono,
Surgiram mágoas e queixas,
Minhas rimas são endechas
Sonorizando o meu fim,
Essa sensação ruim
Dos meus excessos decorre.
Cada minuto que morre,
Mata um pedaço de mim.

Dideus Sales